"Renda-se, como eu me rendi.
Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei.
Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento."

(Clarice Lispector)

O Beijo

O Beijo
Gustav Klimt (1907)
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terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Tema de destaque 21 - Novos Tempos

Desde criança criei minha própria imagem especulativa de como seria a vida no século XXI. Comida em capsulas, transportes que flutuavam no ar, roupas de coloração metálica, cidades suspensas e por aí vai. Claro que fruto desse retrato caricato tem a ver com os alguns desenhos animados que passavam na época. Enfim, passadas quase três décadas desse lugar na minha memória, finalmente é chegada a realidade do futuro.

Embora algumas pessoas realmente se alimentem de um coquetel de capsulas a cada refeição, outras retornaram ao menu vegetariano de grãos germinados. As vestimentas seguem a ditadura da moda, então não há como estipular um padrão. Variam entre brilhos e tecidos naturais e dos tons multicoloridos ao nude. Os carros são bem dotados de mecânica, design e apetrechos ultramodernos, mas ainda andam sobre o chão. Aparelhos celulares multiuso, eletro eletrônicos para tudo e um pouco mais. Edificações mínimas e consumo máximo: essa é a cara dos tempos modernos. O cúmulo do exagero da saúde, da beleza, do individualismo, do ter. Mas também tem a economia excessiva; de palavras, de afeto, de entrega, de humanismo. Tenho a leve impressão de que com o passar dos anos a balança ficou obsoleta...

O ser humano não é mais o mesmo. Parece ter feito uma viagem inversa, tendo como destino obrigatório o lugar mais longe do seu interior. Vive as descobertas da engenharia genética, onde se declara ser possível reproduzir outra pessoa oriunda de duas fêmeas ou de dois machos. Fazemos tecnologia de ponta que nada perde e tudo transforma. Contudo, ainda não foi possível desenvolver o chip da felicidade. Algo capaz de dar sentido à vida das pessoas que se encontram desacreditadas de tudo e de todos.

A tudo isso, chamou-se desenvolvimento e progresso. A definição do alcance ao ponto mais alto na cadeia evolutiva da vida humana, até então. Por outro lado, percebe-se a predominância das relações superficiais, cibernéticas, virtuais. O sentido mais desenvolvido é o tato das pontas dos dedos que devem estar sensíveis aos teclados. E de todas as características daquela caricatura infantil, talvez, o ser humano seja quem mais se aproximou do estereótipo pensado. O homem de lata robotizado. O ser frio e calculista. Aquele que não entende a matemática de dar sem receber. Individualidade, competitividade e insensibilidade predominam como características marcantes.

Partindo da premissa filosófica que declara o homem como um ser social, faz-se a inferência de que a natureza humana está em meio a uma crise de esquizofrenia coletiva. Parece ter ocorrido uma inversão de referencial. Volta à tona a ótica de que o homem é o centro do universo. É certo que alguns aspectos práticos e de forma evoluíram. Descobriu-se que a Terra é redonda, que o horizonte não é o fim da linha e que os planetas giram em torno do sol. Contudo, as questões que envolvem a vivência em sociedade parecem estar mais confusas do que nunca. E agora? Essa pode ser uma angústia real? Será este o verdadeiro destino da humanidade: tender a viver só, sem credos e sem manifestar a sua essência social?

Para o meu bem e o de todos, uma aparição surreal trouxe alguns lampejos de resposta. No auge da minha divagação trágica, dei de cara com uma cena inusitada. Ao chegar a um seminário que tratava de assuntos do meu trabalho, revi um personagem que há quase dois anos me despertava inquietação. Observei detalhadamente o índio que anteriormente encontrava nas reuniões das instâncias de participação social. Vestia um terno escuro, com um belo corte e carregava um laptop numa bolsa lateral. Naquele instante não era mais o representante do controle social, mas sim um assessor direto do novo Secretário. Sentou-se e, em silêncio, lia calmamente seus e-mails antes de compor a mesa de abertura do evento. Apenas interrompia o que fazia para atender ao celular. Fiquei tão compenetrada com essa visão que pensei “é finito mesmo!”

Logo em seguida, anunciaram seu nome para compor a mesa de abertura do evento. Após todas as formalidades, para minha surpresa, o Secretário que conduzia os trabalhos, solicitou que o indígena evocasse uma prece para que os pactos ali celebrados fossem abençoados. Então, sem muita cerimônia, e depois de várias demonstrações de total desenvoltura, pegou o microfone e iniciou sua fala. Intitulou-se evangélico e chamou o nome de Deus. Aquilo sim foi de arrepiar. Cada palavra proferida, cada apelo encaminhado ao ser superior, mesmo que em um português dito em palavras trocadas, saia do fundo da alma. Dava pra sentir no tom de voz e na expressão do rosto que juntos, retratavam os sentimentos de quem segue em uma longa espera e agradece o encontro. Presenciei uma sabedoria profunda acerca da vida em sociedade. A passagem mais marcante do discurso enfatizava o pedido a Deus para iluminar a mente de todos que iriam assumir os trabalhos. Que tivessem sabedoria e a devida inspiração para cumprir com suas responsabilidades.

Fiquei com vergonha do meu pré-julgamento e pedi desculpas em silêncio. Primeiro, pelo preconceito; segundo, pelo julgamento e finalmente, por taxar uma pessoa pelo seu estereótipo. Afinal, qual é a diferença concreta entre pessoas desnudas com a cara lavada? Ao me redimir comigo mesma, deixei-me levar pelo pensamento. Pude perceber que, da mesma forma que as ondas de modernidade arrastaram consigo um futuro deserto, também favoreceram a construção de um contexto rico, multicultural e baseado no requinte da essência humana. Pude compreender que esses povos tradicionais precisam se adaptar para garantir sua inserção no mundo, e nós, os seres humanos da sociedade formal, carecemos urgentemente de redescobrir o humano dentro de nós. Quem sabe o encontro no meio do caminho não favorece aos dois tipos?

O velho e o novo. O de dentro e o de fora. Racional e sentimento. Divino e mundano. Moderno e obsoleto. Sociedade multifacetada e comunidade. Essas dobradinhas não representam duas caras da mesma moeda. Representam a complexidade que envolve a espécie humana e demais ramificações da cadeia da vida. Pude ver claramente que a ligação indígena com o divino é algo que vem de dentro. As pinturas no rosto e vestimentas rudimentares são apenas uma forma externa de criar um simbolismo próprio para mostrar o de humor ou uma passagem. Sinalizam o estado de guerra, de tristeza, de alegria ou de paz.

E não se dando por satisfeita, a vida trouxe mais uma de suas surpresas. Outro indígena encantou com seus dizeres. De cara falou sobre as características ancestrais da sua etnia, marcada pela postura de guerrear e de usar da força bruta para suas conquistas. Em seguida, demonstrou o aprendizado sobre a evolução do pensamento daquele grupo que agora prefere o diálogo. Mostrou o entendimento sobre a concepção do Estado Brasileiro de Direito e a essência da República Federativa Brasileira. Sabia do que estava falando e mostrou-se mais patriota do que qualquer um naquele auditório. Fiquei emocionada e completamente convencida da capacidade que o ser humano tem de se superar e de surpreender a si mesmo.

Por fim, a última pessoa a se pronunciar, recitou um trecho da música de Geraldo Vandré: Só pra não dizer que eu não falei das flores... “Vem vamos embora que esperar não é saber; quem sabe faz a hora, não espera acontecer.” Senti aquele evento recheado de cânticos, de mensagens de esperança, de incitação ao diálogo e à construção compartilhada das políticas públicas como uma pausa no princípio da legalidade que rege a vida na Administração Pública. A ladainha que engessa e prende o agente público a fazer apenas o que está previsto na lei, pura e crua. Envolvimento emocional, nem pensar. Então, como ter tesão pelo que se faz? Para terminar o dia, dei uma pausa na minha própria racionalidade e pensei: “Deus, obrigada pela chance de presenciar mais um milagre da natureza!”

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Tema de destaque 20 - As pessoas

Final de ano; tempo de mais um balanço.

Pensar se me tornei aquilo que pretendia ser.

De medir se caminhei dois passos à frente ou de perceber se apenas fiquei parada no meio do caminho.

De responder a um chamado, ou simplesmente não pensar nem dizer nada.

Normalmente, é uma época que inspira o ato de contabilizar os ganhos tangíveis, palpáveis.

Mas também deixa no ar um convite à introspecção.

O despertar da sensibilidadereflexiva em sua forma mais ingênua.

E quem se atreve a embarcar nessa trajetória, descobre o verdadeiro presente que a vida gentilmente oferece a cada momento: as pessoas.

São elas que preenchem o vazio do mundo e tornam a existência humana um acontecimento imensurável.
Algo cheio de caminhos tortuosos e de algumas espetadas.

Mas também são elas que, de maneira incomparavelmente enriquecedora, transformam a alma do ser mais insesível ou menos conectado às necessidades alheias.

Cada ser que passa, deixa sua marca e, mesmo sem querer, ajuda os transeuntes a escreverem sua própria história.

Contribui para que cada um possa se construir com o passar dos tempos.

Oferece um sorriso, um abraço ou simplesmente um aperto de mãos.

Em algumas situações, ajuda o outro a levantar de um tropeço desequilibrado e vai embora.

Eu outras, provoca algumas lágrimas, volta e permanece até o fim.

São apenas detalhes irrelevantes.

Poeira ao vento...

Depois de um tempo se aprende a agradecer por cada um desses presentes, mesmo os inesperados, os avassaladores, os que apagam o chão e tiram o prumo de qualquer um.

Os que trazem embates, desafiam e abalam a auto-confiança.

Até aqueles que nos levam a testar os limites ao extremo.

É nessa caminhada onde apenas o caminhar em si e o fim dele é imperativo e previsível.

É nessa vivência imperfeita que é possível descobrir o imperceptível sobre a felicidade.

Primeiro, percebe-se que a felicidade é algo mais comclexo que o estado de alegria efêmero.

O momento vivido em migalhas de tempo que são devoradas por uma fome insaciável, por se acreditar que está condicionado a algo externo e excêntrico ao cotidiano.

Algo que depende de uma vontade desconhecida e incontrolável.

Percebe-se então o poder de transformação do tempo.

Ao amadurecer, tornam-se todos privilegiados por possuírem “olhos de ver e os ouvidos de ouvir”.

Tornam-se aqueles que não têm pressa, por terem certeza que sempre haverá novos encontros e, junto com eles, a oportunidade de vivenciar novos aprendizados.

Descobrem a cada dia outras formas de ver e de experimentar o mundo de dentro e o de fora.

São eles que estão atentos ao instante certo de interagir, receber e retribuir.

São eles, que no ato de entrega, acabam se tornando parte da vida de outras pessoas.

São eles, que por derradeiro, têm o privilégio de se materializar na mistura de todos em um só.

Revelar-se na própria imagem do universo.

sábado, 11 de dezembro de 2010

Sobre tempo e jabuticabas (por Rubem Alves)


Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para frente do que já vivi até agora.


Sinto-me como aquela menina que ganhou uma bacia de jabuticabas.

As primeiras, ela chupou displicente, mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço.

Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.

Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados.

Não tolero gabolices.

Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte.

Já não tenho tempo para projetos megalomaníacos.

Não participarei de conferências que estabelecem prazos fixos para reverter a miséria do mundo. Não quero que me convidem para eventos de um fim de semana com a proposta de abalar o milênio.

Já não tenho tempo para reuniões intermináveis para discutir estatutos, normas, procedimentos e regimentos internos.

Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas que, apesar da idade cronológica, são imaturos.

Não quero ver os ponteiros do relógio avançando em reuniões de 'confrontação', onde 'tiramos fatos a limpo'.

Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário geral do coral.

Lembrei-me agora de Mário de Andrade que afirmou: 'as pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos'.

Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência, minha alma tem pressa...

Sem muitas jabuticabas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana;

que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua mortalidade, defende a dignidade dos marginalizados, e deseja tão somente andar ao lado do que é justo.

Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade, desfrutar desse amor absolutamente sem fraudes, nunca será perda de tempo.

O essencial faz a vida valer a pena!

Miss imperfeita (por Martha Medeiros)

Eu não sirvo de exemplo para nada, mas, se você quer saber se isso é possível, me ofereço como piloto de testes. Sou a Miss Imperfeita, muito prazer. A imperfeita que faz tudo o que precisa fazer, como boa profissional, mãe, filha e mulher que também sou: trabalho todos os dias, ganho minha grana, vou ao supermercado, decido o cardápio das refeições, cuido dos filhos, marido (se tiver), telefono sempre para minha mãe, procuro minhas amigas, namoro, viajo, vou ao cinema, pago minhas contas, respondo a toneladas de e-mails, faço revisões no dentista, mamografia, caminho meia hora diariamente, compro flores para casa, providencio os consertos domésticos e ainda faço as unhas e depilação!

E, entre uma coisa e outra, leio livros.
Portanto, sou ocupada, mas não uma workholic.
Por mais disciplinada e responsável que eu seja, aprendi duas coisinhas que operam milagres.
Primeiro: a dizer NÃO.
Segundo: a não sentir um pingo de culpa por dizer NÃO. Culpa por nada, aliás.
Existe a Coca Zero, o Fome Zero, o Recruta Zero. Pois inclua na sua lista a Culpa Zero.
Quando você nasceu, nenhum profeta adentrou a sala da maternidade e lhe apontou o dedo dizendo que a partir daquele momento você seria modelo para os outros.
Seu pai e sua mãe, acredite, não tiveram essa expectativa: tudo o que desejaram era que você não chorasse muito durante as madrugadas e mamasse direitinho.
Você não é Nossa Senhora.
Você é, humildemente, uma mulher.
E, se não aprender a delegar, a priorizar e a se divertir, bye-bye vida interessante. Porque vida interessante não é ter a agenda lotada, não é ser sempre politicamente correta, não é topar qualquer projeto por dinheiro, não é atender a todos e criar para si a falsa impressão de ser indispensável. É ter tempo.
Tempo para fazer nada.
Tempo para fazer tudo.
Tempo para dançar sozinha na sala.
Tempo para bisbilhotar uma loja de discos.
Tempo para sumir dois dias com seu amor.
Três dias.
Cinco dias!
Tempo para uma massagem.
Tempo para ver a novela.
Tempo para receber aquela sua amiga que é consultora de produtos de beleza.
Tempo para fazer um trabalho voluntário.
Tempo para procurar um abajur novo para seu quarto.
Tempo para conhecer outras pessoas.
Voltar a estudar.
Para engravidar.
Tempo para escrever um livro que você nem sabe se um dia será editado.
Tempo, principalmente, para descobrir que você pode ser perfeitamente organizada e profissional sem deixar de existir.
Porque nossa existência não é contabilizada por um relógio de ponto ou pela quantidade de memorandos virtuais que atolam nossa caixa postal.
Existir, a que será que se destina?
Destina-se a ter o tempo a favor, e não contra.
A mulher moderna anda muito antiga. Acredita que, se não for super, se não for mega, se não for uma executiva ISO 9000, não será bem avaliada. Está tentando provar não-sei-o-quê para não-sei-quem.
Precisa respeitar o mosaico de si mesma, privilegiar cada pedacinho de si.
Se o trabalho é um pedação de sua vida, ótimo!
Nada é mais elegante, charmoso e inteligente do que ser independente.
Mulher que se sustenta fica muito mais sexy e muito mais livre para ir e vir. Desde que lembre de separar alguns bons momentos da semana para usufruir essa independência, senão é escravidão, a mesma que nos mantinha trancafiadas em casa, espiando a vida pela janela.
Desacelerar tem um custo. Talvez seja preciso esquecer a bolsa Prada, o hotel decorado pelo Philippe Starck e o batom da M.A.C.
Mas, se você precisa vender a alma ao diabo para ter tudo isso, francamente, está precisando rever seus valores.
E descobrir que uma bolsa de palha, uma pousadinha rústica à beira-mar e o rosto lavado (ok, esqueça o rosto lavado) podem ser prazeres cinco estrelas e nos dar uma nova perspectiva sobre o que é, afinal, uma vida interessante.

Eu te amo não diz tudo (por Arnaldo Jabor)

O cara diz que te ama, então tá!

Ele te ama.
Sua mulher diz que te ama, então assunto encerrado.
Você sabe que é amado porque lhe disseram isso, as três palavrinhas mágicas.
Mas ouvir que é amado é uma coisa...
Sentir-se amado é outra... Uma diferença de quilômetros.
A demonstração de amor requer mais do que beijos, sexo e palavras.
Sentir-se amado é sentir que a pessoa tem interesse real na sua vida, que zela pela sua felicidade, que se preocupa quando as coisas não estão dando certo, que coloca-se a postos para ouvir suas dúvidas e que dá uma sacudida em você quando for preciso.
Sentir-se amado é ver que ela lembra de coisas que você contou há dois anos, é vê-la tentar reconciliar você com o seu pai, é ver como ela fica triste quando você está triste e como sorri com delicadeza quando diz que você está fazendo tempestade em copo d água.
Sentem-se amados aqueles que perdoam um ao outro e que não transformam a mágoa em munição na hora da discussão...
Sente-se amado aquele que se sente aceito, que se sente inteiro.
Sente-se amado aquele que tem sua solidão respeitada, aquele que sabe que tudo pode ser dito e compreendido.
Sente-se amado quem se sente seguro para ser exatamente como é, sem inventar um personagem para a relação, pois personagem nenhum se sustenta muito tempo.
Sente-se amado quem não ofega, mas suspira; quem não levanta a voz, mas fala; quem não concorda, mas escuta: EU TE AMO NÃO DIZ TUDO!
“Me ame quando eu menos merecer, pois é quando eu mais preciso”.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Tema de destaque 19 - Sessenta segundos

Estava findando mais um dia comum. Era um feriado e nada mais trivial do que visitar parentes e terminar o dia confraternizando com a família. Nenhum compromisso com hora marcada. Fim de tarde. Um resto de chuva molhando o chão. Ao fundo, uma trilha sonora de MPB, como de costume. Tudo na santa paz, a não ser pelo ônibus que vinha logo atrás, com todo gás. Bastou um ponto cego no retrovisor e o que parecia mais um dia igual a todos os outros quase se transformou em uma tragédia. Criança morre esmagada por um ônibus seria a notícia. A criança de 3 anos que estava no banco de trás acabou absorvendo todo o impacto da colisão e não resistiu. Tudo culpa da mãe, que estava distraída e cega. O tal ponto cego. Sessenta segundos. Foi o tempo necessário para o ônibus desviar sua rota e sumir de vista.

Quando tudo aparentemente se acalmou, seu coração disparou e ela ficou paralisada. De repente, sua vida inteira passou pela mente como um filme acelerado. Pensou em todos que amava. Em todas as pessoas que se revelaram importantes para sua formação como pessoa. Lembrou de fatos relevantes e de outros sem muita importância. Lembrou também que um dia tinha feito a promessa a si mesma de que estaria sempre com a malinha pronta, caso a morte chegasse de supetão. Estaria quite com as pessoas que já passaram e com aquelas recém chegadas à sua vida. Acreditava que dessa forma estaria sempre em paz.

Quanta inocência... Naquele instante, deu-se conta de que não é tão fácil assim ter paz de espírito. Muito menos estar quite com o mundo. Ao mesmo tempo, seus dois lados, a banda podre e a sã, não paravam de tagarelar em seu ouvido. Faziam questão de apontar seu passado. Os feitos bons e os ruins. Cada qual com o enfoque cabível aos respectivos pontos de vista: pessimista e otimista. Então, pra botar ordem no galinheiro, deu a vez da palavra a cada uma das vozes. Preparou-se para o bombardeio, desarmada e entregue.

O primeiro lado a se pronunciar foi sua sombra. Toda cheia de si fez questão de armar o julgamento final. Tinha juiz, promotor, ré, menos o advogado de defesa. Pela maneira como conduziu as coisas, já tinha a resposta da decisão final: culpada sem chance de recursos. As leis eram claras. Os dez mandamentos, os sete pecados capitais, e tantas outras que caracterizam a conduta do ser virtuoso. Então, buscando se redimir com seu lado mais cruel, não via outra saída a não ser confessar seus próprios pecados. Então, a mulher imaginou-se de joelhos e proferiu a seguinte prece:

“Senhor, eu pequei. Quebrei todas as regras. Não honrei meu pai nem minha mãe como deveria, como eles mereciam, por todo o esforço que tiveram na minha criação. Passei de todos os limites que algum dia me impuseram. Infelizmente não consegui adorar a Ti sobre todas as coisas; sou mundana. Perdi o número de vezes que evoquei Teu santo nome em vão. Nunca fui casta nos pensamentos nem nos desejos, menti, furtei, enganei, cobicei a vida do próximo e em quase todos os episódios que me lembro, não fiz com o outro aquilo que gostaria que fizesse comigo. Sei que muitos desses episódios aconteceram em idade tenra, mas eu sabia o que estava fazendo. Fui egoísta e sei que não adianta usar o instinto de sobrevivência como desculpa, porque não havia nenhuma arma apontada para o meu pescoço. Tomei as decisões em função dos meus impulsos mesmo e não por coação ou medo de perder a minha vida. Não matei, mas fiz pessoas sofrerem e às vezes, sofrer dói mais que morrer. Então, estou ferrada mesmo. Em alguns momentos de depressão deixei-me invadir pela falta de fé e vaguei pela vida sem sentido. Cometi o pecado da gula, o da vaidade e o da ira. Já senti inveja, orgulho e muita preguiça. Em alguns momentos também me deixei levar pela luxúria. Não tem desculpa para tudo isso, eu sei. Minha sombra está coberta de razão. Preciso pagar por todos os erros cometidos. Sei que não sou digna de perdão nem de piedade. Sou assim mesmo, um ser pequeno, com vontades menores ainda. Não amadureci tanto quanto deveria. Não cumpri com todos os compromissos que acordei. Falhei na minha formação como pessoa e percebo que também falho na criação do meu filho de apenas 3 anos. São grandes deslizes... Pode deixar, eu mesma puxo o gatilho e me aniquilo definitivamente da face da Terra e de todos os outros planetas e dimensões. Fiz tudo errado e mereço a pena. Olho por olho, dente por dente.”

Depois de toda a confissão feita, entra em cena seu lado iluminado. Apesar de todos os erros cometidos, as virtudes continuam lá, latentes, mesmo que não sejam acessadas adequadamente. Todo mundo nasce com algum talento. E a luz sempre aparece principalmente para quem tem a certeza que ela existe. Então, com toda a calma peculiar aos que detêm a sobriedade, sua voz interior entoou a seguinte oração:

“Senhor, sei que cometi muitos erros, mas em todas as situações, desejei do fundo do meu coração ter feito a coisa mais acertada. Foram muitas tentativas frustradas, mas nunca perdi a fé por completo. Sempre que cheguei ao fundo do poço lembrei-me da Tua existência e pedi forças pra continuar seguindo em frente. E não posso negar que sempre fui atendida. Lembro-me dos dias que acordei transbordando de alegria e com novos sonhos a perseguir. Em algumas situações, quebrei as regras para não ser hipócrita, não por completo. Não podia fingir ser algo diferente daquilo que queimava por dentro. Durante algum tempo, eu era uma contradição ambulante, mas busquei o significado das coisas. Sei que nesse caminho, às vezes me desviei, concordo plenamente. Mas, por outro lado, sempre tentei estar de coração aberto, entregue aos aprendizados da vida. Mesmo nos instantes de puro egoísmo, nos quais me entreguei aos meus desejos mais mesquinhos, no fundo, fiz a tentativa de reforma íntima. Alguns desses erros, eu não cometo mais... Já é algum progresso concorda? Tenho consciência que sou um ser em formação, que tem algo a aprender até o último suspiro de vida. Busco ser amorosa e ajudar as outras pessoas a não passarem pelas mesmas dificuldades pelas quais tive que passar, para não serem violadas, nem desconectadas de si mesmas. Tento a cada dia, reconhecer o amor que recebi dos meus pais, proporcionando a eles momentos felizes em família. Escolhi trabalhar em uma área que me faz focar o olhar sobre pessoas vulneráveis, frágeis, que precisam de humanismo para conseguirem reverter sua condição de desigualdade. Aonde quer que vá, levo o meu coração comigo e prego a gentileza e a esperança como uma bênçãos preciosas e indispensáveis para se viver neste mundo. E acima de tudo, reconheço que posso melhorar em pequenas gotas. Sei que errei, mas não desisti de tentar acertar. Por isso, peço perdão e não prometo nada. Apenas reafirmo a minha condição de aprendiz e me coloco humildemente a semear amor em meio a tantas adversidades da vida. Não quero com isso diminuir a minha responsabilidade sobre os meus atos. Espero apenas um pouco de indulgência e de credibilidade para essa almazinha que não quer ser feliz sozinha. Coloco-me em Tuas mãos e continuo a pedir forças e intuição para seguir o caminho da luz. Mais uma vez, muito obrigada pela paciência e até a próxima.”

Após ouvir atentamente ambas as partes, a mulher recolheu-se em sua pequenez e refletiu sobre o fato. Aquele quase incidente representava um aviso. Só depois dos instantes de pânico isso foi perceptível. Pontos críticos; são esses os empurrões que os dedos da vida gentilmente concedem aos pobres mortais para continuarem no caminho. Às vezes, são sentidos de forma mais intensa, em outras, leves como uma pluma.

Não há como se estabelecer relativismos entre as escalas de medição do universo astral e o terreno. Por isso, o que são 60 segundos? Podem representar um quase acontecimento, um fato que marque o resto da vida ou mesmo o rebobinar de 30 anos de história. Portanto, o foco não é o número em si, nem o que sua escala de mensuração abrange. É simplesmente o significado maior do que foi vivido. O abrir das cortinas deixando os feixes de luz entrarem e iluminarem a mente por completo. Não faz tanta diferença se para isso, alguns casos requerem quase todo tempo do mundo. O que importa é se esbaldar com o brilho eterno de todas as lembranças sãs. De tudo o que se foi e de tudo aquilo que ainda está por vir.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Tema de destaque 18 - Amor sem preconceitos

Uma forma saudável e construtiva de exercitar a percepção sobre os acontecimentos da vida é olhar o passado com outros olhos, em outro tempo e com outra bagagem. É assim que se faz para analisar períodos históricos e o próprio curso da humanidade. Então, por que não adotar essa prática para ampliar a introspecção acerca do universo particular de cada um de nós? O filme Philadélphia, estrelado por Tom Hanks e lançado em 1993, oferece uma grande oportunidade para o exercício da reflexão acerca do tema preconceito, principalmente com relação à AIDS e ao homossexualismo.

Embora essas duas palavras retratem um contexto da atualidade, e mesmo que a sociedade tenha evoluído significativamente a forma de lidar com elas nos últimos 15 anos, ainda refletem uma tendência ancestral do ser humano de condenar os diferentes, de não querer correr riscos, de julgar condutas alheias segundo suas próprias referências, de desqualificar os supostos transgressores e atirar pedras. A diferença é que nos primórdios as pedras eram de verdade, machucavam fisicamente e até levavam o condenado à morte. Mas agora, também assumem novos formatos e resultam em efeitos mais dolorosos.

Mesmo sabendo que esse comportamento acompanha a natureza humana a perder de vista, é questionável o fato de alguém sentir qualquer tipo de prazer em diminuir o outro ou de aniquilá-lo como pessoa. Não estou falando de inimigo de uma guerra, onde prevalece o lema matar ou morrer. Refiro-me a aquele cidadão comum que compartilha algum espaço físico com um grupo de pessoas ou até um familiar mais distante e em casos mais extremos alguém que concebemos. De que forma esse outro interfere negativamente na vida alheia?

Esse comportamento de perseguição às bruxas deixa no ar a sensação de que essas pessoas acreditam que fizeram a coisa certa ao puxar o tapete de alguém que já vive um eterno conflito interior. É o sentimento de missão cumprida, como se tivesse sido escolhido a dedo para realizar algo indelegável e intransferível; de importância incalculável para o progresso da humanidade. Em alguns casos é como chutar um bicho morto. Talvez, ao atirarem as pedras, essas pessoas devam, erroneamente, exorcizarem seus próprios demônios. Quem sabe a psicologia possa explicar isso, por meio das teorias que falam das projeções do indivíduo nas outras pessoas. Deve ter alguma racionalidade mesmo que irracional capaz de apontar razões para essas tendências.

Algo de destaque no filme foi o preconceito contundente em relação à homossexualidade. Foi mostrado que as pessoas que adquirem a AIDS por razões entendidas como incontroláveis, tal como a transfusão de sangue, são menos hostilizadas e até dignas de condescendência. Coitadinhas, são vítimas de uma fatalidade. E o homo, principalmente o macho gay, buscou o que merecia. Que pensamento medíocre! Não se deve diminuir a decepção que um hemofílico contaminado contra sua vontade possa ter em relação à vida. Mas será que a vida de um indivíduo vale menos que a de outros por não se enquadrar no modelo preconizado por aqueles que se julgam acima do bem e do mal? Os auto-intitulados deuses do universo? Pessoas são pessoas em quaisquer circunstâncias.

É claro que existem situações que causam medo, principalmente aquelas desconhecidas e inesperadas. Mas isso não é argumento suficiente para desqualificar alguém e classificá-lo como um ser inferior, ou até mesmo como uma aberração. E, além disso, ninguém está preparado para tudo, nem deve estar. A vida é da forma que é para sermos testados. Que graça teria se já viéssemos com todas as respostas prontas, sem a necessidade de refletir e de fazer escolhas às cegas?

Quanto aos desvios de caráter onde são enquadrados? Por que não são censurados na mesma medida? Desde sempre, são suportáveis e os autores são considerados menos transgressores. Pais mandam filhos para o exterior com o intuito de esconderem potenciais delinqüentes, sofrem mais pela vergonha da exposição social do que pela percepção dos desvios daqueles pelos quais deveriam ser responsáveis; gente toca fogo em indigente e recebe condescendência da lei; homem estupra mulher e se defende alegando que a outra desejava aquilo, em função de um comportamento e do uso de vestimentas vulgares; dirigir embriagado e comprometer a vida de outras pessoas, devido a uma colisão dolosa; são todos crimes sem castigo... Mas quem define os padrões de enquadramento dos delitos e tomando como base quais critérios? Pergunta difícil de ser respondida. Mas, por outro lado, a reflexão sobre o tema é imprescindível para a garantia da saúde da teia da vida.

Dessa forma, um bom observador se dará conta de que em cada época da história da humanidade existiu um grupo seleto de marginalizados. Apenas se mudava o tema em voga. As bruxas que foram queimadas vivas; as mulheres adúlteras que foram apedrejadas em praça pública e ainda continuam a ser em algumas partes do mundo; os leprosos e tuberculosos escorraçados de suas cidades; os loucos internados nos hospícios; as mulheres histéricas; os classificados como feios e condenados pela ditadura da beleza; além de tantos outros. A ordem é tirar do campo de visão tudo aquilo que incomoda, que fere as leis, que aparenta ser anormal, disforme ou feio.

Mas o que há de tão imperfeito e amoral em se relacionar com alguém do mesmo sexo? Os laços de amor não contam? Será que é mais digno o casamento entre homem e mulher que não se suportam, que não se vêm como cúmplices da vida a dois, que apenas mantêm as aparências para receberem o título de casal modelo? Até que a morte os separe diz o padre. Uma só carne. Então, seguindo essa lógica, os que desejam intimamente a morte, mas que estão acorrentados a esse dogma serão os merecedores da misericórdia divina. Uns são consumidos pela angústia diária e sofrem de descrença crônica. Outros cultivam mágoa e rancor. Alguns buscam vidas paralelas para se aliviarem e encontrarem algo que os conforte e dê forças para enfrentar mais um dia... Essas condutas são mais saudáveis e indicadas segundos as bulas de Deus? Não é em nome Dele que os justiceiros se apegam para crucificar o desvio de natureza?

Então vamos à prática. Um episódio real mudou significativamente a minha postura em relação ao assunto. Posso até dizer que mudou a minha vida. Lamento o fato até hoje. Pela perda de um amigo querido e pelo fato de acreditar que poderia ter sido mais presente e maleável. Falo um ser que se foi e deixou muita saudade. Não suportou as pressões que alguém com suas escolhas tem que encarar e preferiu a morte. Baniu-se por si só. Fugiu para outro lugar, usou outro nome, encheu-se de coragem e pulou do 8º andar de um hotel. Morreu só, com sua identidade desfigurada e vítima do preconceito alheio. Nesse dia, registrou-se a perda de um ser maravilhoso. Profissional competente e de caráter irrepreensível. Só tinha um defeito enorme e imperdoável: era gay.

Já falei que toda generalização é burra e imprecisa, mas nesse caso, sustento até o fim que ela é de fato quase certeira. Supomos que fosse possível instalar em praça pública um detector capaz de aferir a qualidade do ser humano segundo as normas vigentes. A máquina poderia penetrar até os pensamentos mais obscuros, aqueles que se faz questão de esconder e disfarçar. E quem não passasse no teste seria banido para a terra dos insolentes, dos sem direitos, dos não dignos da majestosa sociedade. O aparelho estaria imune a qualquer tentativa de manipulação de resultados. Incorruptível e sem relativismos. A justiça nua e crua. Como é de se imaginar, ninguém passaria no teste ou quase todo mundo seria reprovado. Quem sabe esse não seria um bom recomeço? À primeira vista, pode até ser. Mas a nova maioria de excluídos iria impor suas novas regras levando tudo de volta ao começo. Então, não atire a primeira pedra...

A solução desse tipo de dilema social é muito complexa e sofrida. Mas vigora sobre todas as leis, o irrestrito progresso da alma. A natureza é tão perfeita que até aqueles pobres de espírito têm a sua chance de transcender. Sob essa ótica todos têm lugar ao sol e são dignos de indulgência, condescendência e amor. Pode parecer um posicionamento ingênuo e até infantil para alguém da minha idade. Contudo, crer em algo dessa magnitude fortalece a minha fé no entendimento de que tudo feito com o coração aberto e em busca do auxílio indiscriminado é revertido em prol de uma coletividade maior do que aquela a qual se busca beneficiar. Estamos todos no mesmo barco e enquanto não nos conscientizarmos de que a fragmentação social é o cerne da falência da própria sociedade, continuaremos enfermos e à margem do pior lado de nós mesmos.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

É Proibido (por Pablo Neruda)

É proibido chorar sem aprender,

Levantar-se um dia sem saber o que fazer
Ter medo de suas lembranças.

É proibido não rir dos problemas
Não lutar pelo que se quer,
Abandonar tudo por medo,
Não transformar sonhos em realidade.

É proibido não demonstrar amor
Fazer com que alguém pague por tuas dúvidas e mau humor.
É proibido deixar os amigos
Não tentar compreender o que viveram juntos
Chamá-los somente quando necessita deles.

É proibido não ser você mesmo diante das pessoas,
Fingir que elas não te importam,
Ser gentil só para que se lembrem de você,
Esquecer aqueles que gostam de você.

É proibido não fazer as coisas por si mesmo,
Não crer em Deus e fazer seu destino,
Ter medo da vida e de seus compromissos,
Não viver cada dia como se fosse um último suspiro.

É proibido sentir saudades de alguém sem se alegrar,
Esquecer seus olhos, seu sorriso, só porque seus caminhos se desencontraram,
Esquecer seu passado e pagá-lo com seu presente.

É proibido não tentar compreender as pessoas,
Pensar que as vidas deles valem mais que a sua,
Não saber que cada um tem seu caminho e sua sorte.

É proibido não criar sua história,
Deixar de dar graças a Deus por sua vida,
Não ter um momento para quem necessita de você,
Não compreender que o que a vida te dá, também te tira.

É proibido não buscar a felicidade,
Não viver sua vida com uma atitude positiva,
Não pensar que podemos ser melhores,
Não sentir que sem você este mundo não seria igual.

Viver Despenteada (Martha Medeiros)

Hoje aprendi que é preciso deixar que a vida te despenteie, por isso decidi aproveitar a vida com mais intensidade…


O mundo é louco, definitivamente louco…
O que é gostoso engorda. O que é lindo custa caro.
O sol que ilumina o teu rosto enruga.
E o que é realmente bom dessa vida, despenteia…

- Fazer amor, despenteia.
- Rir às gargalhadas, despenteia.
- Viajar, voar, correr, entrar no mar, despenteia.
- Tirar a roupa, despenteia.
- Beijar a pessoa amada, despenteia.
- Brincar, despenteia.
- Cantar até ficar sem ar, despenteia.
- Dançar até duvidar se foi boa idéia colocar aqueles saltos gigantes essa noite, deixa seu cabelo irreconhecível…

Então, como sempre, cada vez que nos vejamos eu vou estar com o cabelo bagunçado…
Mas pode ter certeza que estarei passando pelo momento mais feliz da minha vida.

É a lei da vida: sempre vai estar mais despenteada a mulher que decide ir no primeiro carrinho da montanha russa, que aquela que decide não subir
Pode ser que me sinta tentada a ser uma mulher impecável, toda arrumada por dentro e por fora.
O aviso de páginas amarelas deste mundo exige boa presença: arrume o cabelo, coloque, tire, compre, corra, emagreça, coma coisas saudáveis, caminhe direito, fique seria…
E talvez deveria seguir as instruções, mas quando vão me dar a ordem de ser feliz?
Por acaso não se dão conta que para ficar bonita eu tenho que me sentir bonita…
A pessoa mais bonita que posso ser!

O único que realmente importa é que ao me olhar no espelho, veja a mulher que devo ser.
Por isso, minha recomendação a todas as mulheres: se entregue, coma coisas gostosas, beije, abrace, dance, apaixone-se, relaxe, viaje, pule, durma tarde, acorde cedo, corra, voe, cante, arrume-se para ficar linda, arrume-se para ficar confortável, admire a paisagem, aproveite, e acima de tudo, deixa a vida te despentear!!!

O pior que pode acontecer é que, rindo frente ao espelho, você precise se pentear de novo...

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Tema de destaque 17 - Olhar para dentro

Amsterdã é um lugar lindo e incomparável. Poderia até fazer parte daquelas listas temáticas que reúnem as coisas e os lugares que deveríamos experimentar antes de morrer. Deveria também ser mundialmente famosa por suas pequenas singularidades, que vão muito além do uso deliberado de drogas nos bares e da rua da luz vermelha. Foi assim que batizei o bairro que comporta as famosas vitrines, onde as mulheres expõem o corpo e vendem sexo para maiores de idade. A cidade tem uma conformação diferente e muito peculiar. Parece um formigueiro humano e de bicicletas também, com gente indo e vindo de todos os lados. Gente preta, branca e amarela. Uma cidade cosmopolita com uma pitada de charme europeu.

Entretanto, dentre todas as paisagens, novidades e atrações, dois museus me chamaram a atenção em especial. Um deles é a Casa de Anne Frank, fundado na década de 1960, em homenagem a ela, sua família e demais pessoas que permaneceram refugiadas no edifício por cerca de dois anos. Ficaram todos escondidos durante o período de ocupação dos Países Baixos pelos nazistas, na Segunda Guerra. Criado com o intuito de fortalecer os laços entre diferentes culturas, religiões e raças, representa um ato silencioso e pacífico de resistência e protesto ao preconceito e à discriminação das diferenças.

Depois de percorrer o museu e assistir ao emocionante depoimento do pai dela, imaginei quais motivos levaram aquela menininha de 13 anos a ter pensamentos tão profundos sobre as questões da vida. E mais, registrá-los em um diário com o compromisso de quem estava escrevendo uma parte da história da humanidade. Quem sabe foram os efeitos da guerra, do preconceito, da insegurança, do isolamento, do medo? Talvez um pouco de cada; tudo junto. Mas sem desconsiderar a relevância do momento histórico, minha intuição apontou mais uma razão: quando se tem a visão para fora bloqueada com uma venda negra, tendemos a desenvolver outras formas de percepção do mundo. O que antes se via com os olhos, passa a ser visto pelo lado de dentro, com o coração, mais precisamente. É o que nos resta se quisermos recuperar a sensação de estarmos vivos.

O mundo exterior, cada vez mais, oferece-nos, simultaneamente, milhares de dispositivos para destinarmos nossa atenção. Insere-se na pele, de forma recalcitrante, um modo de vida mutante, fluido e multifacetado. Não conseguimos dar conta de ver tudo, que dirá de absolver o conteúdo disponibilizado e veiculado aos quatro cantos do mundo. Tempo e espaço não constituem mais fatores limitantes para a difusão da nova onda. Exclusividade, individualidade e humanidade são atributos ultrapassados e vencidos pela era da cibernética. Tudo é sinônimo de nada em um piscar de olhos. Basta uma novidade cair nas graças do povo que automaticamente ficamos para trás. Desatualizados, obsoletos, pré-históricos. Contrapondo-se essa modernidade, um cativeiro teria como lado positivo a possibilidade de obrigar aquelas pessoas a se olharem nos olhos, a conversarem entre si e, principalmente a despertarem o senso de viver em comunidade.

No contexto do ter para ser, enfrentamos uma fila imensa na madrugada, só para presenciar o lançamento do modelo mais novo de um aparelho celular ou de um carro. Fazemos das tripas coração, mas pagamos o preço que for necessário para sermos os primeiros a possuírem os bens disputados. Todos esses paramentos fazem parte da escultura viva do homem da atualidade. Cada um ao seu modo. Hoje, rosa; amanhã, preto; depois, incolor; um dia, nada. Aos poucos, anestesiamos nossos sentidos e passamos a responder aos estímulos sem expressarmos voluntariamente nossas vontades. Distanciados das nossas origens, tornamo-nos marionetes manipuladas por um mundo virtual e intangível, que é a representação viva do exagero material. Tudo o que desejamos fervorosamente é ser mais um na multidão. Não destoar em nada. Quanto mais parecidos, melhor. Dá trabalho e custa caro acompanhar o ritmo frenético da moda que personifica um modelo de ser: o de fora.

Partindo do princípio de que esse modus operandi está dando espaço a uma era de pessoas robotizadas e semi-humanas, é lícito agradecer à vida por todos os acontecimentos que nos remetem à nossa essência. É o reconhecimento de um resgate de si mesmo. Ser salvo por entrar em contato novamente com os sentimentos: o lado de dentro. Na maioria das vezes, esses encontros do eu com ele mesmo, ocorrem à nossa revelia. Só em um estágio de muita maturidade e depois do acúmulo de muitas lutas internas para que alguém se veja capaz de se encarar o desafio por livre e espontânea vontade. Fora isso, quase sempre os fatos estão impregnados de sofrimento e têm um caráter imperativo.

Ou dá, ou desce; ou trepa, ou sai de cima; ou vai, ou racha... Só um ultimato ou algo sobrenatural para nos trazer de volta ao prumo. Não é fácil sair da inércia e perder a sensação de segurança, pseudo controle e comodidade. Concordo que sofrer dói, desgasta, deixa marcas... Mas às vezes, só no tranco para a gente encarar os desafios. Em algumas situações, só mesmo uma guerra ou um acontecimento de grandes proporções para unir uma massa significativa de gente em torno de um mesmo ideal, voltando a ser humano. Em momentos assim, despertamos a solidariedade, a indulgência e a condescendência com o outro. São três fêmeas com significados parecidos, mas que diferem sutilmente entre si. O mais importante é que juntas, trazem à tona a bondade verdadeira e conduzem o homem aos tempos de paz; por dentro e por fora. Traz a liberdade: ser por fora o que se sente por dentro.

É certo que o medo de sofrer pode desencadear a manifestação do lado obscuro do ser humano, bem como gerar a obsessão por vingança, ou mesmo uma reação mais amena, como resultado do nosso instinto de sobrevivência. Contudo, é inegável que essa condição de vulnerabilidade coletiva também pode nos remeter a um lado bom, quando estamos em uma situação que envolva a relatividade com outras pessoas em situações mais difíceis. É como se existisse uma linha tênue e imaginária entre os dois extremos. Cabe a nós fazermos a escolha de que lado nós queremos estar: o de dentro ou o de fora?

Ao olhar para dentro poderemos nos deparar com algo muito assustador ou com sentimentos que têm a capacidade de nos fragilizar, tornando-nos seres mais vulneráveis. Por outro lado, é assim que conseguimos acessar nossos tesouros inatos, as virtudes de cada um, a origem de tudo, inclusive a nossa. Ao vivenciarmos o processo ficamos em meio a uma crise de pensamento, trazendo consigo o conhecimento que transforma a nossa visão de mundo. Dessa forma, surgem dois mundos: o do ser e o do não-ser. No primeiro, é necessária a entrega absoluta, sem economias nem restrições, embora devam ser observados os balizamentos para garantir a saúde do bem viver. Já o segundo, incorre naquele caso em que as pessoas vivem como fantasmas e têm a sensação de terem passado imunes à vida. Sem passado, nem presente e muito menos futuro.

Então, neste exato momento, pule do precipício. Desça do muro,encare o tranco e desafie o medo e os perigos ao seu redor. Corra riscos sem temer ter que juntar os caquinhos daqui a cinco minutos, cinco dias ou cinco anos. O que vale é viver e tornar-se alguém melhor depois de um tempo. E melhor ainda é se nessa caminhada, conseguirmos alegrar a vida de outras pessoas ao mesmo tempo em que buscamos a nossa felicidade. Com o passar do tempo se aprende a profundidade adequada para cada mergulho. Mas para isso é preciso muito treino.

Portanto, sinta-se abençoado. Você tem a faca e o queijo na mão por não precisar ser submetido a uma condição extrema de sofrimento para conseguir olhar o seu interior e compartilhar sua essência com outras pessoas. Use e abuse da interação a dois, a três, a quatro... Quanto mais, melhor. Não falo da promiscuidade superficial provocada por sensações efêmeras. Ressalto a explosão do encontro de almas afins; a sensação do fervor do sangue que corre nas veias; a alegria de viver por sentir-se alimentado com amor; da esperança de ser um semeador.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Tema de destaque 16 - Artimanhas do sexo frágil

Muitos são os truques e charmes que nós mulheres usamos para conseguir algo do nosso interesse. O mais antigo e famoso de todos é o tradicional golpe da barriga. Desde que o mundo é mundo, essa é uma alternativa a que muitas recorrem para manter um homem ao lado, mesmo que não seja pelo tempo que elas gostariam. Dizem que uma criança tem o poder de sensibilizar. Em muitas vezes isso acontece, mas o objetivo maior de fazer com que o outro aprofunde os seus sentimentos quase nunca se concretiza. Contudo, sempre existem as exceções...

Então, voltando às artimanhas femininas, o segundo truque mais cotado é o uso das lágrimas, sem dó nem piedade. Quem resiste a aquele par de olhinhos tristes e desconsolados de uma pobre e indefesa mulher que se debulha em lágrimas? Parece até o olhar do gatinho de botas do filme Sherek! Um olhar tão inocente, tão pidão, tão sedutor. E foi a essa artimanha que sucumbiu o chefe de segurança de um dos maiores e metódicos aeroportos do mundo, o Heathrow de Londres.

Recentemente, estava lá, voltando para o Brasil. Naquela fila enorme para passar no raio x, antes de entrar na sala de embarque. Após 15 dias longe de casa, estava contando os minutos para voltar e ter o meu pequenino nos braços. Já estava roxa de saudades. Enquanto esperava na fila, imaginava a carinha dele quando abrisse os presentes carinhosamente escolhidos. Pensei em todos os seus gostos; um de cada lugar visitado. Afinal, uma criança de quase 3 anos já tem suas preferências ora! Carregava comigo cuidadosamente, uma sacola de mão, com um carrinho de controle remoto que seria entregue no dia das crianças.

Já estava com tudo arrumado. Garrafinha de água vazia, bota na mala para não ter que tirá-la, tênis nos pés e casaco na mão. A pasta de dente já acomodada na embalagem disponibilizada para guardar frascos de até 100 ml e fora da bolsa é lógico. Nada de cintos, moedas, celular no bolso, nem pulseiras. Ou seja, nada que potencialmente pudesse disparar aquele alarmezinho irritante ou que tivesse que ser abandonado. Estava tudo milimetricamente calculado e conforme o figurino. Segui ao pé da letra todas as orientações de segurança para embarque em vôos internacionais. Não era possível que depois de tanto sobe e desce não tivesse aprendido a lição. Então, fiquei com meu olhar sarcástico, confesso, observando os supostos inexperientes com um ar de quem já sabia tudo.

Na seqüência de cenas, duas senhoras tiraram quase tudo, literalmente, e, mesmo assim, a maquininha não parava de apitar histericamente. Depois chegou a vez de um grupo de cinco rapazes que tinham a aparência supostamente duvidosa. E pimba! Exatamente como eu imaginava, foram todos revistados minuciosamente, além de terem a bagagem de mão aberta. Nos 20 minutos seguintes, já estava craque em adivinhar quem iria disparar o tal do alarme ou ser submetido a uma revista mais minuciosa.

Finalmente chegou a minha vez. Peguei a bandeja, coloquei os meus pertences com toda a calma e respondi às simples perguntas de rotina que a funcionária fazia a todo mundo sem muita simpatia e com um tom quase mecânico. Tem algum líquido ou cremes na bolsa? Objeto cortante ou perfurante? Moedas, cinto, chaves ou celular no bolso? Está portando alguma arma? Alguma substância perigosa? A resposta foi negativa para todas. Passei pelo alarme com um ar de riso e me sentindo vitoriosa. Não fez barulho nenhum e nada de revista extra. Então, segui para recolher as minhas coisas do outro lado do raio x, mas a esteira parou de repente.

Percebi que a minha sacola de mão não havia passado e imediatamente acenderam uma luz vermelha chamando a atenção de todo mundo, principalmente dos funcionários responsáveis pela segurança. Rapidamente, alguém me perguntou se eu sabia o conteúdo da minha bagagem e respondi que sim; complementei detalhando que era um brinquedo, um carrinho com controle remoto. Então deixaram o objeto duvidoso passar e me chamaram para uma conversa particular. Nesse momento eu já estava preocupada e tinha perdido o sorriso sarcástico do canto da boca. Bem feito!

É muito curiosa a educação dos ingleses. Algo para admirar de verdade. E foi assim que o chefe da segurança me deu a notícia, com toda calma e controle peculiares a alguém que ocupa um posto desses, principalmente sendo inglês. Depois de abrir a caixa, o moço disse: “senhora, infelizmente o brinquedo não poderá seguir”. Perguntei o motivo e a resposta me deixou chocada: “o controle remoto do carrinho tem formato de uma arma”. Então retruquei: “mas nós estamos vendo que não se trata de uma arma, e sim da parte de um brinquedo”. “Podem passar o alarme, tirar os parafusos e revirar tudo, não há nada perigoso nem ilícito aí dentro”. Mais uma vez e com toda a classe, o funcionário complementou: “só será possível levar o carrinho. O controle tem o formato de arma, como já falei. Em função de episódios anteriores, alguns passageiros já usaram objetos com o formato similar a uma arma e causaram pânico no avião. Em função disso, fomos orientados a impedir o embarque de qualquer objeto com essas características”. Então, pedi para despachar o brinquedo junto com a bagagem e ele muito calmamente falou que não era possível; “regras de segurança senhora”.

Nesse momento, a ficha caiu. Quando menos esperava comecei a chorar desesperadamente. Não conseguia me conter. Não parava de repetir que era apenas um brinquedo inocente, para uma criança. Ninguém tinha me avisado no balcão da companhia aérea! Só pensava na carinha do meu filho quando recebesse o carrinho de controle remoto sem controle remoto. E quando ele perguntasse o porquê, eu iria tentar explicar na linguagem dele que o mundo de hoje está muito violento e confuso. E que algumas pessoas fazem coisas ruins e até machucam os outros de forma voluntária. Algumas delas também fazem brincadeiras sem graça, para dar sustos, e tentam fazer os outros acreditarem que estão armadas só pelo prazer de ver os rostos aterrorizados ou por se sentirem bem em bagunçar a ordem das coisas. E quanto mais ia pensando nessa resposta, mais lágrimas caíam do rosto, até o ponto em que o segurança me pediu um minuto. Retirou-se do local e pontualmente retornou com a solução para os meus problemas. “Pode seguir senhora e leve o brinquedo consigo. Não chore mais”. Agradeci fervorosamente, até demais para um britânico, e enxuguei as lágrimas.

Depois de todo o episódio resolvido ainda continuava angustiada. Deveria estar aliviada por ter conseguido garantir a feição de felicidade da minha criança. Já tinha ouvido casos parecidos e até piadas ou lido crônicas, mas nunca tinha presenciado algo assim. Confesso que prevalecia em mim o descontentamento oriundo de questionamentos sem respostas. Não sei se é ingenuidade, mas não entendo a razão de prevalência da relação complementar com constante ataque e defesa entre as pessoas. Em que mundo nós vivemos? Até que ponto pode chegar uma sociedade estressada, em que a parte avulsa de um brinquedo pode representar perigo ou uma potencial crise de pânico? Quem são essas pessoas que encaram essas ações como simples brincadeiras descompromissadas e sem a intenção de matar, mas com a intenção de ferir? Até onde pode chegar o lado negro do ser humano, que muitas vezes é cruel e nada condescendente com o próximo?

Fico pensando em que parte do sistema contribui para alimentá-lo e em que situações eu poderei interferir para ajudar a resgatá-lo. Vivemos em uma sociedade doentia, caótica, confusa e desconexa. Atualmente, dá-se mais importância a acontecimentos dessa natureza ao invés de nos preocuparmos com as mazelas do mundo. Mas é assim que funciona. O novo chama mais à atenção. Nossos olhos já estão acostumados à miséria da lida precária, à pobreza de espírito e, principalmente, à falta de sentido para a vida. Portanto, convido a todos a fazerem um exercício. Experimentemos olhar com mais afinco para o horizonte ao invés de nos assustarmos com as formigas que transitam aos nossos pés, porque quem não olha para cima não consegue enxergar as estrelas.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Tema de destaque 15 - Maternidade parte 1 - Gerar um filho

Gosto de falar tudo muito explicado para não dar margem a dúvidas. Por isso, tenho a tendência de buscar o começo, a origem das coisas, a essência das pessoas. Então, para falar de maternidade, nada mais justo do que relembrar os primórdios: a escolha de gerar um filho. De repente trinta anos na cara. Parece um lugar comum, ou soa como uma idade mágica, um número cabalístico que afeta as mulheres e provoca nelas um desejo desesperado de ser mãe. Não é bem assim, mas saliento que faço parte da geração mamãe anos 2000, em que a maioria das mulheres desfruta de um espaço diferenciado na sociedade. Dedicamos mais tempo à nossa vida profissional, casamos mais tarde e, naturalmente, acabamos deixando a maternidade em segundo plano ou algo para ser concretizado quando tudo estiver conforme nossos critérios de estabilidade emocional, financeira e intelectual.


Comigo foi assim. O relógio biológico fez tic-tac e despertou o desejo adormecido. Tomou conta de mim, uma vontade visceral de ser mãe. Sentia que faltava algo para completar a minha vida depois de ter estudado anos a fio; uma graduação, uma especialização, um mestrado e um relacionamento estável de dez anos. Olhando do ponto de vista da racionalidade pragmática, o momento não era o mais apropriado, mas agora que tudo passou, vejo que não poderia ter sido diferente.

Tinha acabado de pedir demissão do meu emprego para me dedicar aos estudos novamente, só que com outro objetivo: passar em um concurso público. Parecia tudo sob controle; um ano estudando, no seguinte fazendo as provas... Não era possível que não desse certo, pensei, tomando como base a minha disciplina espartana. Já tinha iniciado as aulas em um cursinho preparatório ainda trabalhando, durante o aviso prévio. Mesmo com toda a vontade de ser mãe aflorando à flor da pele, não estava muito certa se era o momento apropriado. Mas por indicação médica tive que interromper o uso de anticoncepcionais e... batata! Dois meses depois estava grávida! Completamente grávida! Sem nenhuma sombra de dúvidas.

Os primeiros momentos foram de muita festa. Comemoração com a família e um brinde a aquele serzinho sem nome, sem sexo e nenhuma identidade, mas que já comovia os nossos corações. Entretanto, depois de um mês na minha nova rotina, a ficha caiu. Bateu um desespero enorme que me engolia a cada dia me tirando o chão e qualquer sensação de segurança. Nunca tinha ficado sem trabalhar, sentindo-me completamente dependente e ainda mais sob os efeitos de zilhões de hormônios e substâncias corporais. De uma hora para a outra, apelando ao desespero, tentei fazer algo para atenuar a situação. Fui atrás de um novo emprego. Tive uma breve alegria de ter meu currículo escolhido em três seleções para cargos maravilhosos. Só tinha um detalhe: a minha total sinceridade nas entrevistas e o fato de ninguém querer contratar uma mulher grávida de 3 meses!

Fiquei arrasada com tudo isso, mas aos poucos, e com muita ajuda e paciência do meu companheiro, fui voltando a um estado mais próximo do normal. Entrei na hidroginástica, levantei da cama depois de um período de depressão, creio eu, e voltei à luta. Entendi aquelas negativas como um sinal da vida me dizendo que deveria continuar com meus planos. E assim o fiz. Tive uma “DR” comigo mesma, pedi perdão ao meu bebê por todas as aflições que ele deve ter sentido dentro da minha barriga, e só então passei a curtir a gravidez com leveza e muita alegria. Queria que ele soubesse que minhas preocupações estavam associadas à minha necessidade exagerada de ser boa provedora, para que nada lhe faltasse. Portanto, tentei apagar qualquer traço de lamentação ou de tristeza. Afinal de contas aquela criaturinha tinha sido concebida com muito amor.

Com a calma sob o controle da minha mente, experimentei cada momento e sentia todas as mudanças. Tudo estava bem novamente. Não tive enjôos nem indisposições. E a libido; foi a mil!!!! Um cuidado especial que tive foi a ingestão de florais receitados pela minha mãe. Cada um tinha um significado; fortalecer os laços entre mãe e filho; estimular a produção de leite; dar disposição, além de outros aspectos necessários a uma mãe de primeira viagem. Aos quatro meses, senti ele mexer pela primeira vez. Parecia uma leve sensação de cócegas provocada pelo movimento de abrir e fechar das asas de uma minúscula borboleta. Estava no momento de relaxamento da aula de hidroginástica e ele veio todo pra frente, formando uma bolinha que dava para ver sob a pele. Naquele momento, senti uma emoção inexplicável, tive a certeza de que estava gerando uma vida dentro de mim.

Durante os meses seguintes, passei a conversar com ele diariamente. Tínhamos os nossos rituais repletos de carícias na barriga com a ajuda de cremes e óleos relaxantes; ouvíamos músicas com toques delicados; a escolha do enxoval; os enfeites. Logo fiquei sabendo que era um menino e o tema de decoração do quarto foi dos transportes, em tons de azul e verde. Mudamos para um apartamento maior um mês antes do nascimento dele e o quartinho foi pintado e decorado com nossas próprias mãos. Em cada detalhe colocamos todo o nosso carinho e percebemos como é grande a capacidade de amar alguém.

Recordo que o apoio da minha irmã foi fundamental para o meu equilíbrio. Ela se antecipava e explicava tudo, todos os detalhes a cada mês. Em quase todas as consultas de pré-natal contamos com visitas tão curiosas como nós, os pais corujas. Uma semana antes do previsto, numa manhã de domingo, acordei e a bolsa tinha rompido. Minha mãe tinha chegado no dia anterior para o chá de fraldas. Como gostaria de tentar o parto normal avisei à minha médica e fui deixar a casa em ordem. Coloquei as roupas sujas na máquina para lavar, depois para secar no varal, varri a casa, arrumei a malinha da maternidade. E depois fomos à casa da minha irmã. Já era hora do almoço e uma feijoada nos esperava. Às 15:30h minha médica falou que não dava mais para esperar e me pediu para ir ao hospital. Fomos todos em comboio; avós, tios, primos, sobrinhos, gato, cachorro e papagaio. Como a dilatação não passava de 3 cm e já tinha perdido muito líquido amniótico, tivemos que recorrer à cesárea.

Não poderia estar melhor assistida: o papai era o médico auxiliar, minha irmã a fotógrafa, minha cunhada filmava todos os detalhes e o anestesista também era uma figura conhecida. Tudo aconteceu muito rápido. Anestesia na coluna; empurra daqui e dali e, de repente o choro. Meu e dele! Um por experimentar, pela primeira vez a vida literalmente entrar pelo nariz e eu, por sentir toda a emoção que um ser humano é capaz de sentir em poucos segundos. Hora do nascimento: 16:09. A mão do papai tremia ao cortar o cordão umbilical. Os meus olhos transbordavam de lágrimas e estavam curiosos para conhecer aquela pessoinha que tinha habitado o meu ventre nos últimos nove meses.

Finalmente chegou o nosso momento. Ele sentiu o meu cheiro e rapidamente se aquietou. Fez todo aquele ritual; pesar, medir altura, limpar secreções e tudo mais. Na sala de recuperação já deu a primeira mamada. Era muito guloso e logo secou o peito que mais parecia uma bola de futsal. Cheguei ao quarto primeiro e fui recebida por todos. Parecia um grande evento na maternidade. Os funcionários falaram que nunca tinham tido uma paciente que recebera tantas visitas de uma só vez. Alguns minutos depois ele fez sua entrada triunfal, todo embrulhadinho em uma manta verde e guardadinho em um berço de acrílico. Passou de colo em colo, posou para fotos e mais fotos. Imediatamente foi apelidado de bebê Big Brother. Confesso que, mesmo mergulhada naquele carinho todo, não agüentava mais esperar para tê-lo em meus braços. Alôôôôôôôô! A mãe aqui sou eu! Eu quero lamber a minha cria recém parida!

Quando finalmente todos saíram para comemorar o nascimento do pimpolho em uma pizzaria, minha mãe trouxe o meu anjinho na cama e só então pude ver todos os detalhes daquele rostinho meigo. Cinco dedinhos em cada mão, cabelos escuros como os meus, o corpinho minúsculo e vermelho, e os olhos do pai. Em poucos segundos já havia decorado cada pedacinho dele, até uma marquinha, tipo uma queimadura, na mão esquerda. Nossa primeira noite juntos foi inesquecível. Ele se agarrou no peito e só largou na manhã seguinte. Dormimos abraçados, eu e o meu grande tesouro. Ali senti que algo tinha mudado por dentro, algo mágico e imperceptível aos olhos. Estava encantada com aquele ser tão pequeno, frágil, indefeso e completamente dependente do meu amor.

Senti uma alegria tão grande ao amamentar, um estado de êxtase que parecia ter chegado a hora de morrer. Então fiz um acordo com Deus, antes mesmo de ir pra casa. Eu não poderia deixar este mundo antes de o meu pequeno completar 18 anos. Espero que ele cumpra. E se não cumprir terá que lidar com a ira de uma mãe enraivecida! Depois de toda a história contada, o ponto que gostaria de ressaltar dessa breve experiência é o fato de que apenas uma ou duas gerações depois, a escolha de gerar um filho é algo que pode despertar sentimentos completamente diversos dos vivenciados em épocas pretéritas. Em pouco tempo, é possível experimentar alegrias e tristezas, numa alternância entre desespero e lucidez, mesmo em situações tão favoráveis como as minhas.

Por outro lado, não há nada mais próximo do divino, neste planeta, do que a sensação de oferecer seu corpo como casa e princípio da vida para abrigar o desenvolvimento e a sobrevivência dos primeiros meses da vida de outro ser. Quando isso acontece, ficamos envolvidos por um amor que precede identidade, sexo, e ultrapassa qualquer desafio, inclusive a possibilidade de gerar um bebê especial. Somos movidas por um sentimento que desafia espaço, tempo e direção. E só então, só experimentando a sensação de segurar seu filho no colo, alimentá-lo, providenciar seus cuidados diários 24 horas por dia, só assim, é possível compreender por um instante o ditado que diz: amor de mãe é tudo.

Anne Frank - Trechos do diário (Museu em Amsterdã)

“April 9, 1944
One Day this terrible war will be over. The time will come when we will be people again and just Jews! We can never be just Dutch, or just English, or whatever, we will always be Jews as well. Bet then, we’ll wait to be.”

“July 11, 1942
We have to wisper and treak lightly during the day, otherwise the people in warehouse might hear us.”

“December 24, 1943
I long to ride a bike, dance, whistle, look at the world, feel young and know that I’m free.”

“February 17, 1944
The best remedy for those who are afraid, lonely or unhappy is to go outside somewhere where they can be quite alone with the heavens, nature, and God.”

Depoimento do pai dela: Otto Frank, 1970
“We cannot change what happened anymore. The only thing we can do is to learn from the past and to realize what discrimination and persecution of innocent people means. I belive that it”s everyones’s responsibility to fight prejudice.”

“Adormeço com a idéia tola de querer ser diferente do que sou, ou de que não sou como queria ser. E de que faço tudo ao contrário.”


“Aquele que é feliz espalha felicidade.Aquele que teima na infelicidade, que perde o equilíbrio
e a confiança, perde-se na vida.”

“Viro o meu coração do avesso. O lado mau para fora, o bom para dentro e continuo a procurar um meio para vir a ser aquela que gostava de ser, que era capaz de ser, se... sim, se não houvesse mais ninguém no mundo.”

“(…)fico tão confusa pela quantidade de coisas que tenho de considerar que não sei se choro, ou se riu depende do meu humor. Depois durmo com a sensação estranha de que quero ser diferente do que sou, ou de que sou diferente do que quero ser, ou talvez de me comportar diferente do que sou ou do que quero ser.”

“Ao longo de todo o tempo em que aqui estive, ansiei inconscientemente - e por vezes conscientemente - por confiança, amor e afeição fisica. Este anseio pode variar em intensidade, mas está sempre presente.”

Martha Medeiros - Pensamentos

“Eu triste sou calada
Eu brava sou estúpida
Eu lúcida sou chata
Eu gata sou esperta
Eu cega sou vidente
Eu carente sou insana
Eu malandra sou fresca
Eu seca sou vazia
Eu fria sou distante
Eu quente sou oleosa
Eu prosa sou tantas
Eu santa sou gelada
Eu salgada sou crua
Eu pura sou tentada
Eu sentada sou alta
Eu jovem sou donzela
Eu bela sou fútil
Eu útil sou boa
Eu à toa sou tua.”

“Saudade é não saber. Não saber o que fazer com os dias que ficaram mais compridos, não saber como encontrar tarefas que lhe cessem o pensamento, não saber como frear as lágrimas diante de uma música, não saber como vencer a dor de um silêncio que nada preenche.”

“Sempre desprezei as coisas mornas, as coisas que não provocam ódio nem paixão, as coisas definidas como mais ou menos, um filme mais ou menos ,um livro mais ou menos. Tudo perda de tempo. Viver tem que ser perturbador, é preciso que nossos anjos e demônios sejam despertados, e com eles sua raiva, seu orgulho, seu asco, sua adoração ou seu desprezo. O que não faz você mover um músculo, o que não faz você estremecer, suar, desatinar, não merece fazer parte da sua biografia.”

"Meu mundo se resume a palavras que me perfuram, a canções que me comovem, a paixões que já nem lembro, a perguntas sem respostas, a respostas que não me servem, à constante perseguição do que ainda não sei. Meu mundo se resume ao encontro do que é terra e fogo dentro de mim, onde não me enxergo, mas me sinto."

“Quando olho para o meu passado, encontro uma mulher bem parecida comigo - por acaso, eu mesma - porém essa mulher sabia menos, conhecia menos lugares, menos emoções.”

"Desaprender para aprender. Deletar para escrever em cima. Houve um tempo em que eu pensava que, para isso, seria preciso nascer de novo, mas hoje sei que dá pra renascer várias vezes nesta mesma vida. Basta desaprender o receio de mudar"

“Gaste seu amor. Usufrua-o até o fim. Enfrente os bons e os maus momentos, passe por tudo que tiver que passar, não se economize. Sinta todos os sabores que o amor tem, desde o adocicado do início até o amargo do fim, mas não saia da história na metade. Amores precisam dar a volta ao redor de si mesmo, fechando o próprio ciclo. Isso é que libera a gente para ser feliz de novo.”

"Quero saber, entre todas aquelas que eu sou, quem é a chefe, quem manda dentro de mim."

"Em tempos em que quase ninguém se olha nos olhos, em que a maioria das pessoas pouco se interessa pelo que não lhe diz respeito, só mesmo agradecendo àqueles que percebem nossas descrenças, indecisões, suspeitas, tudo o que nos paralisa, e gastam um pouco da sua energia conosco, insistindo."

"Vida é memória.
Dei pra pensar que tudo que há de mais vivo em mim foi aquilo que já se foi.
As pessoas mais importantes foram as que ficaram."

"Para saber quem somos, basta que se observe o que fizemos da nossa vida. Os fatos revelam tudo, as atitudes confirmam. O que você diz - com todo respeito - é apenas o que você diz."

"Quero ventilação, não morrer um pouquinho a cada dia sufocada em obrigações e em exigências de ser a melhor mãe do mundo, a melhor esposa do mundo, a melhor qualquer coisa. Gostaria de me reconciliar com meus defeitos e fraquezas, arejar minha biografia, deixar que vazem algumas idéias minhas que não são muito abençoáveis."

“Assim como tem gente que para vencer o alcoolismo evita dar o primeiro gole, algumas pessoas precisam aprender a evitar o primeiro beijo para não reincidir num amor que faz mal à saúde.”

“De mim, que tanto falam
Quero que reste o que calei
Que tanto rezam por mim
Quero que fique o que pequei
De mim, que tanto sabem
Quero que saibam que não sei...”

“... Não consigo molhar os pés apenas
eu mergulho e só paro quando me afogo
eu me queimo e só paro quando derreto
eu me jogo e só paro quando me param.”

"Ninguém ama outra pessoa porque ela é educada, veste-se bem e é fã do Caetano. Isso são referências, só. Ama-se pelo cheiro, pelo mistério, pela paz que o outro lhe dá, ou pelo tormento que provoca. Ama-se pelo tom de voz, pela maneira que os olhos piscam, pela fragilidade que se revela quando menos se espera. Amar não requer conhecimento prévio nem consulta ao SPC. Ama-se justamente pelo o que o amor tem de indefinível. Honestos existem aos milhares, generosos tem às pencas, bons motoristas e bons pais de família, tá assim, ó. Mas só o seu amor consegue ser do jeito que ele é."

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Frases de Amor - Pensadores diversos

“Amo como ama o amor. Não conheço nenhuma outra razão para amar senão amar. Que queres que te diga, além de que te amo, se o que quero dizer-te é que te amo?”
(Fernando Pessoa)

“Amar os outros é a única salvação individual que conheço: ninguém estará perdido se der amor e às vezes receber amor em troca.”
(Clarice Lispector)

“O amor é o sentimento dos seres imperfeitos, posto que a função do amor é levar o ser humano à perfeição. Como são sábios aqueles que se entregam às loucuras do amor!”
(Joshua Cooke)

“Cada qual sabe amar a seu modo; o modo, pouco importa; o essencial é que saiba amar.”
(Machado de Assis)

“Amar é ultrapassarmo-nos.”
(Oscar Wilde)

“Amar não é olhar um para o outro, é olhar juntos na mesma direção.”
(Antoine de Saint-Exupéry)

“Aprendi que não posso exigir o amor de ninguém...
Posso apenas dar boas razões para que gostem de mim...
E ter paciência para que a vida faça o resto...”
(William Shakespeare)

“A cada dia que vivo mais me convenço de que o desperdício da vida está no amor que não damos, nas forças que não usamos, na prudência egoísta que nada arrisca e que, esquivando-nos do sofrimento, perdemos também a felicidade.”
(Carlos Drummond de Andrade)

“Se um dia tiver que escolher entre o mundo e o amor... Lembre-se. Se escolher o mundo ficará sem o amor, mas se escolher o amor com ele você conquistará o mundo.”
(Albert Einstein)

“Saudade é amar um passado que ainda não passou
É recusar um presente que nos machuca
É não ver o futuro que nos convida...”
(Pablo Neruda)

“Ame profunda e passionalmente. Você pode se machucar, mas é a única forma de viver o amor completamente.”
(Dalai Lama)

“Quem de dentro de si não sai, vai morrer sem amar ninguém...”
(Vinícius de Moraes)

“Um coração feliz é o resultado inevitável de um coração ardente de amor.”
(Madre Teresa)

“Onde o amor impera, não há desejo de poder; e onde o poder predomina, há falta de amor. Um é a sombra do outro.”
(Carl Jung)

Tema de destaque 14 - Com os olhos do amor

Quando o amor por outra pessoa é verdadeiro, sempre que há o envolvimento profundo com entrega, naturalmente emergem sentimentos muito fortes. Não reconhecemos algo racional que possa explicar os acontecimentos, mas também não faz diferença descobrir o porquê das coisas. O amor está lá e tem uma racionalidade própria que não requer comprovações empíricas nem científicas pra provar que existe. É algo absoluto que sobrevive às intempéries do mundo, entretanto, não prescinde da existência de um coração.

Ao vivenciarmos o amor, somos regidos por uma vontade superior de dar, mesmo que necessitemos receber algo quando estamos em um relacionamento a dois. É sabido que o amor incondicional ainda é algo praticamente inalcançável para nós seres humanos, que precisamos de reciprocidade quanto à aceitação pelos nossos eleitos. Quando amamos, vivemos em estado de grandeza, isso mesmo, o amor nos eleva! Faz com que nos sintamos grandes, fortes e invencíveis. E uma das formas de compensar o universo por esse estado de graça é oferecer.

Um presente valioso que pode ser ofertado aqueles que amamos, e que pode fazer a diferença para quem o recebe, é ressaltar a beleza do outro indivíduo como pessoa, bem como fortalecer ainda mais a sua percepção positiva sobre si mesmo. Às vezes, tudo começa com um deslumbramento à primeira vista que vai se confirmando com o passar do tempo, em outras, surge calmamente como um acontecimento comum. Mas na medida em que se aprofunda o conhecimento mútuo, com naturalidade, cumplicidade e muito carinho, o resultado é o mesmo: o outro passa a ser a força motriz que nos impele a ser feliz.

Existem muitas razões que nos levam a manifestar o amor por outra pessoa. O fato de querer mostrar a relevância que o outro tem na nossa vida, as transformações e conquistas que fomos capazes de concretizar juntos, ou até o fato de acreditarmos não ter algo de maior valor a oferecer. Como se amar fosse algo imperceptível aos olhos! Há também o reconhecimento daqueles que se sentem abençoados por tudo o que recebem, e imperativamente buscam compartilhar os ganhos com os outros. Confesso que uma das coisas mais marcantes resultantes do ato de amar é ter como alimento da alma a satisfação em ajudar as pessoas. Não consigo sentir que estou bem sozinha. Não consigo olhar ao redor e fingir que não vejo as oportunidades de estender a mão, de dar um abraço, de dizer uma palavra de conforto, de fazer alguém se sentir bem e feliz.

Quando o relacionamento vai crescendo pela soma de dois, surge uma felicidade em fazer bem à outra pessoa, em ajudá-la a olhar a vida por outras perspectivas, assim como me sinto beneficiada. Sinto o ser que amo como um presente. Alguém tão especial que apareceu na minha vida para me ajudar a ampliar a minha capacidade de interagir com o mundo e com as pessoas. De ter um sentimento forte, por admirar uma pessoa pelo que ela é. Sem ter garantia de nada, nem certezas. Sentir tudo sem compromisso, sem ter uma troca obrigatória. Sentir porque me faz bem, sem ter que majorar os lucros de uma troca medida e pensada. É como se isso fortalecesse a minha fé nas pessoas. Creio no aprendizado a dois e na grandiosidade de outra pessoa que comete erros igualmente a todo mundo, mas mesmo assim, não deixa de ser especial. Com os olhos do amor, os defeitos são amenizados e as diferenças são excentricidades que dão ao outro um toque de charme.

Enxergamos a pessoa amada como um ser maravilhoso. No meu caso, um homem carinhoso e sensível que foge aos padrões. Vemos o outro como alguém que tem uma estrelinha na testa que torna o seu sorriso algo encantador. E o abraço, que parece envolver a outra pessoa por completo, transmitindo uma energia forte que acalma e acalenta. Não há como não ficar refém; ficamos viciados... Em razão disso, quando ocorre o encontro, emerge uma vontade de tomar o outro em um gole só, de se esbaldar, de ficar entorpecido pelo cheiro e apreciar o gosto do beijo que é único. Torna-se uma necessidade insaciável. É assim, quando estamos sob os efeitos do amor romântico.

Passamos a apreciar a combinação de características tão variadas percebidas no nosso amor. Pode ser inteligente e tratar as coisas sérias com responsabilidade, mas ressaltamos o bom humor e a graça. Visualizamos que é seguro em suas convicções, mas preferimos ver o lado maleável e aberto à opinião alheia, o fato de ser flexível a mudanças de rumo repentinas. Mesmo que tenha um lado introvertido e contido, exaltamos sua capacidade de interagir com o mundo de fora. Mesmo que não fale muito a respeito de suas intimidades sem ser provocado, percebemos que sabe dizer a coisa certa, no momento certo. Pode até ter a língua afiada pra dar respostas desafiadoras, contudo, deve ter a doçura e o carinho necessários quando está cuidando de alguém. Admiro quem trata as pessoas do seu círculo próximo com apelidos carinhosos e com muita consideração, mesmo aquelas que já tomaram outros rumos. Para mim, o mais importante é saber valorizar as pessoas.

Em um relacionamento amoroso, a química deve ser forte, mas a relação de amizade tem sua importância. Deverá dar as bases para a cumplicidade. Assim fica mais fácil confiar e falar sobre coisas que nunca imaginamos contar a alguém. Dividir as dificuldades e compartilhar as alegrias do cotidiano. Deverá inspirar confiança e instigar a busca por novos horizontes. Além disso, facilita o ato de impor limites sem perder a compostura, saber receber e fazer pedidos de desculpa, cuidar do outro. Para tanto, a conversa deverá fluir sem esforço. E mesmo que um dos dois tenha maior propensão a falar, deverá despertar o interesse sobre as coisas que você faz. Sua vida, seu trabalho, seus sonhos...

Todos que convivem comigo percebem que eu mergulho de cabeça na vida. Mas tem que ser em situações em que eu me identifique, por razões que valham qualquer sacrifício. Devo ressaltar que todas as pessoas que considero especiais merecem meu carinho e respeito. O que elas despertam no meu coração não tem preço. Posso não compreender a razão de todas as coisas de ser de tudo. Mas posso afirmar categoricamente que não chego tão longe se a aventura não valer a pena. Não estou retratando uma relação de trocas minuciosamente calculadas e sim a importância que sentimentos poderosos como o amor têm de potencializar o que temos de melhor. Quanto mais amamos e nos sentimos amados, ampliamos a nossa capacidade de externar o nosso melhor lado. A sombra continua a fazer parte da nossa natureza, entretanto, o amor é investido de um poder benéfico de despertar em nós a necessidade de sermos melhores do que fomos ontem e há anos atrás. É por isso e por outras particularidades, que acredito na relação a dois como a melhor forma de se desenvolver como pessoa.

Então, deixo uma mensagem aqueles que amo. Quando se sentirem inseguros ou tiverem dúvidas sobre sua essência, lembrem de mim. Sei que isso pode não significar muito, sou apenas uma pessoa dentre muitas outras com as quais vocês convivem. Mas pensem apenas na importância da breve passagem de cada um de vocês, na vida dessa única pessoa. Se mesmo em tão pouco tempo foram capazes de me proporcionar tantas descobertas, de cuidar de mim em momentos difíceis, de despertar sentimentos de tirar o chão, imaginem o que podem fazer por aqueles com quem deverão conviver por muito tempo! Portanto, não subestimem sua capacidade de alegrar e de transformar a vida das pessoas, inclusive a de vocês próprios.

Obrigada a todos que amo por me proporcionarem a chance de sentir algo sublime, de me transformar como pessoa, de me descobrir como um ser do tamanho dos meus sonhos. Agradeço por sentir saudades de nossos momentos juntos, uma vez que apenas sentimos falta de algo que nos é caro. Descobri que as pessoas só devem estar ao nosso lado por vontade própria e por buscarem caminhos convergentes aos nossos. Respeito às escolhas de cada um. Então, apareçam quando der vontade, mesmo que seja de surpresa. Estarei sempre aqui, de portas abertas e com um abraço aconchegante para recepcioná-los no dia da chegada. Que cada um de vocês receba da vida todo o bem que me fizeram. As alegrias, os votos de felicidade e, principalmente que possam ter a segurança de que podem contar comigo naquilo que me for possível realizar no caminho do amor.