"Renda-se, como eu me rendi.
Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei.
Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento."

(Clarice Lispector)

O Beijo

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Gustav Klimt (1907)
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segunda-feira, 24 de maio de 2010

Tema de destaque 5 - Linguagem Rebuscada


Como todo ser perfeccionista que se preze, resolvi fazer uma consulta informal a um amigo roteirista com o objetivo de adequar, da melhor maneira possível, aspectos de linguagem, forma e estrutura textual das minhas postagens no blog. O resultado foi uma tragédia, travei completamente. Calma que já vou explicar...
Primeiramente, ele perguntou qual era o público-alvo que eu gostaria de alcançar. De imediato, não tive a resposta, mas no fundo sabia que a proposta inicial do blog, com foco nas reflexões do cotidiano de uma mulher anônima já estavam superadas. Queria fazer algo mais elaborado e profundo, contudo, sem ser anacrônica. Embora os textos postados não apresentem um caráter científico, não consigo usar a linguagem coloquial, nem fugir daquela estrutura tradicional que aprendemos na escola: introdução, desenvolvimento e conclusão!!! Esse era o problema; como me inserir na nova forma de linguagem do mundo cibernético sem perder a minha identidade?
De repente me senti de volta ao começo, sem rumo, com uma estratégia falha, uma idéia furada. Vi o meu projeto minguar até ser esquecido e arquivado naquela gavetinha do inconsciente que todos nós temos para armazenar as empreitadas mirabolantes que nunca saem do pensamento ou aquelas que até pomos em prática, mas que nos vencem pela inércia. Pensei, repensei; tentei escrever na linguagem "internetês" ou "bloguês", sei lá como chamar; e... nada. Bloqueio total. Então, como último apelo e para a minha salvação, entra em ação a minha teimosia nata de taurina. É mais forte do que eu, mesmo quando não quero, continuo remando.
Como não poderia conseguir concretizar algo por causa da minha escrita rebuscada, da minha técnica complicada e perfeitinha de me expressar? Como poderia abandonar um trabalho de 34 anos de dedicação e aprimoramento metodológico; esquecer que consegui com muito custo ultrapassar todos os níveis do jogo da linguagem até o avançado; de falar sobre "n" assuntos com "n" pessoas ao mesmo tempo sem perder um detalhe? Nem pensar; não é pra qualquer um, modéstia à parte!!!
Superados os aspectos tecnicos, eis que surge uma nova idéia: em essência, o mais importante não é a forma adotada para a expressão dos pensamentos, se usamos a mais rasteira ou a norma culta. No fim das contas, o que importa é consumar todo o processo de comunicação; escolher uma linguagem com palavras apropriadas para cada situação; para cada nível de entendimento. Enfim, o objetivo é se fazer entender. Dessa forma, poderia arriscar dizendo que as pessoas mais praticantes do ato de externalizar a reflexão sobre elas mesmas, sobre a vida e sobre as interações com o mundo e com as pessoas, teriam mais chances de alcançar o sucesso. Mas não é bem assim que a coisa funciona, principalmente em se tratando de uma mente feminina, sempre criativa e fértil.
Na maioria das vezes dizemos não querendo dizer sim e ainda esperamos que o outro, isso mesmo, ele, a mente masculina, adivinhe nossas intenções e venha ao nosso encontro montado no cavalo branco nos salvar de nós mesmas. Se já é tão complicado efetivar a comunicação entre dois seres completamente diferentes, com bagagens e vidas distintas, com manifestações diferenciadas da sua essência, por que continuamos a insistir na forma indireta, na necessidade de testar a capacidade do outro de fazer leituras subliminares? Não seria mais fácil ou menos complicado ir direto ao ponto e adotar a franqueza? Eu sinto saudades; não quero que você vá embora; senti ciúmes de você; não gosto de me sentir ignorada; dá pra ser menos seco e racional; eu te amo perdidamente; gostaria que você sentisse o mesmo por mim... Mas será que realmente estamos prontas para ouvir toda a verdade? Essa resposta ainda não descobri...
Talvez nossa mente tenha incorporado um raciocínio dos primórdios de ter a necessidade de dar voltas sobre o mesmo tema ou de provocar adivinhações para termos a confirmação de que realmente somos importantes para alguém. Pensando assim, não seria mais interessante romper com essa tradição e experimentar algo novo? Inovar com coragem para ouvir o que não nos agrada e dar a chance ao outro de um contraditório lícito? A meu ver não paira sobre nós apenas a necessidade de ter certeza absoluta sobre certas coisas, ou de sentir que somos importantes, mas também de confirmar que a razão já nasceu com a gente. Parece que todo o esforço de nos mostrarem que estamos erradas é sempre insuficiente e vencido pela nossa verdade absoluta. Em alguns momentos até desconfiamos estar menos precisas, mas não podemos mostar ao nosso adversário que temos um ponto fraco. Está fora de cogitação. E assim começa a guerra dos sexos!!!
Para aquelas que decidirem se aventurar a baixar a guarda como eu já experimentei, gostaria de registrar a sensação de reconhecer os meus erros e de pedir desculpas; de ouvir o outro e tentar me colocar no lugar dele, mesmo que para ter meus defeitos evidenciados; de revelar os meus verdadeiros sentimentos sem olhar o outro como alguém de quem devo me defender. No primeiro momento é difícil, tenho que confessar, mas depois tudo fica mais leve... Poucas são as situações que nos permitem sentir como é bom falar e argumentar de igual pra igual, desenvolver um diálogo rico de enfrentamentos sadios e críticas construtivas, abrir-se para uma forma completamente diferente de ver e sentir o mundo.
Se o que ouvirmos não coincidir com as nossas expectativas não devemos desistir. É preciso ter paciência e coragem para continuar arriscando. Mergulhando fundo, sem reservas, sem limites, sem certezas, sem adivinhações. É preciso ter a humildade para reconhecer que nem tudo está sob o nosso controle, aliás, quase nada está. E é nisto que reside a vontade de persistir na luta itinerante: tudo pode ser possível, mas nada além de nós mesmos nos pertence de fato.