"Renda-se, como eu me rendi.
Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei.
Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento."

(Clarice Lispector)

O Beijo

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Gustav Klimt (1907)
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terça-feira, 27 de abril de 2010

Tema de destaque 3 - Mulher de 30 anos

Acabei de comemorar mais um aniversário e, aos 34 anos, pensei em falar da fase Balzaquiana. A obra literária mais famosa ao tratar da mulher de trinta anos e que deu nome a essa expressão foi escrita pelo francês Honoré de Balzac, durante o período de 1829 a 1842; a famosa Mulher de Trinta Anos. O autor trata sobre o amadurecimento da mulher, destacando sua passagem para outra beleza, a da maturidade, para cuja construção, o casamento seria um mal necessário. Em sua fala, aponta que a fisionomia da mulher só começa aos trinta anos. Atualmente, muitas pessoas continuam a defender a idéia de que é nessa idade em que as mulheres chegam ao seu ápice: mais maduras, realistas e vividas, esbanjando sensualidade e realização.
Talvez não sejam todas as mulheres que sentem e vivenciam o momento dessa forma. Cada uma de nós é um universo à parte, diria até que somos uma caixinha de surpresas. No meu caso, percebo esse processo de transformação que não é instantâneo, ocorre em sobre-saltos. Surge naturalmente e de forma progressiva. Por outro lado, a materialização do fenômeno em si, se assemelha um pouco com a manifestaçaõ do big-bang. Bum! Uma explosão!
De repente, dá uma vontade inexplicável de ser mãe, procriar, sentir as mudanças no corpo, simplesmente deixar um legado, uma semente no mundo. Ao mesmo tempo, surgem os questionamentos sobre o casamento e as implicações da vida a dois, a necessidade de conciliar os sonhos profissionais com a maternidade e os cuidados com a casa, transformar o lar em um ninho mais aconchegante e, acima de tudo, sentir-se mulher no sentido ancestral, com a conotação de provedora e de sensualidade.
As Balzaquianas da época da minha avó tinham apenas que ser belas e se portarem como leides para casar e cuidar da prole; as da geração da minha mãe se inseriram mo mercado de trabalho e isso já passou a dar um trabalhão; e quanto a nós??? Devemos ser lindas; maravilhosas; inteligentes; competentes; uma dama na mesa e uma puta na cama; mães presentes; ter a casa impecável; provar que somos boas em tudo aquilo que fazemos; gostar de esportes radicais para dar um ar de moderninha; entender de nutrição para ficar em forma; saber um pouco de psicologia para melhorar as relações familiares; estar sempre depilada; de unhas brilhantes; com o cabelo esvoaçante; perfumadas; hidratadas; com o bumbum durinho e tudo em cima... Ufa!!! Cansei!!! Alguém tem mais sugestões para inserir na lista?
Mas como dar conta de tudo isso no mundo contemporâneo??? Na verdade, acredito que muitas vezes, perdemos tanto tempo dedicadas à busca insana pela concretização de uma mulher fabricada, impossível de existir na vida real e ao mesmo tempo se sentir plena e feliz, que esquecemos de olhar para dentro e entender o chamado do nosso coração. Em alguns instantes, temos a nossa essência descaracterizada e nos portamos como um trator que sai atropelando qualquer um que se atreva a atrapalhar a conquista de algum desses itens "imprescindíveis" à mulher da vida moderna. Em outros, não curtimos com calma os primeiros encontros com os nossos pimpolhos, a amamentação, a troca de fraldas e o ato de dar as primeiras papinhas acaba se tornando um pesadelo. E os homens, coitados... São quase engolidos e transformados em mais um de nossos acessórios. Não que eu queira minimizar as faltas deles, mas às vezes, somos chatas, imediatistas, autoritárias e monopolizamos as atenções; umas ditadoras de saltos. E quando estamos na TPM, nossa, ninguém aguenta!!!
Percebo que herdamos mais atribuições ao invés de termos aprendido a dividi-las. Fico me perguntando se no fundo, os nossos companheiros não compartilham essas responsabilidades por vontade própria ou se somos nós, que fazemos questão de eternizar o mito da super mulher; de provar que somos as melhores; as imbatíveis e garantir que no futuro, uma mente muuuuuito brilhante irá desenvolver uma técnica revolucionária para não precisarmos dos homens nem para procriar. E o que ganhamos com isso: gastrite, câncer de mama, depressão pós-parto, crise de pânico, insônia, filhos sem limites, maridos insatisfeitos e um cansaço físico e mental constante. Ficamos exauridas e até insensíveis, ao ponto de não percebermos as transformações, de não sentirmos as sensações de cada novo acontecimento, de não nos reconhecermos mais como mulheres. Onde fica a tão exaltada sensibilidade, a capacidade de acolhimento, a intuição feminina e tantas outras qualidades adormecidas? Sei que estou sendo meio trágica e retrato a realidade de uma forma extremamente caricata. Mas se continuarmos nesse rumo, o que será das Balzaquianas das próximas décadas? Quais requisitos extras elas deverão cumprir?
Para imaginar o futuro da mulher, como um ser pensante, integral e feliz, é preciso que primeiramente, sejamos capazes de refletir a respeito de alguns questionamentos. Será que era isso mesmo que as nossas precurssoras reivindicavam quando iniciaram as premissas do movimento feminista? Essa soma de fatores, inexoravelmente se reverte em igualdade com os homens? E até que ponto deve se concretizar essa condição de igualdade?
É possível que muitas delas devam ter se comportado segundo essa cartilha para conseguir romper barreiras e mostrar ao mundo que nós somos muito mais do que corpo e um rostinho de boneca. Também somos "mente e alma feminina"... Então, cabe a nós descobrirmos o ponto de equilíbrio e resgatarmos essa beleza mencionada por Balzac. Precisamos sentir a plenitude das nossas conquistas com toda a delicadeza que nos é peculiar.
Jamais seremos iguais aos homens e ainda bem que existem as diferenças!!! São elas que movem o mundo das idéias e conduzem a humanidade a patamares mais elevados. É essa polaridade paradoxal entre masculino e feminino que nos desafia e nos impele a olhar a vida sob perspectivas diferenciadas, mostrando que não existe uma verdade única nem absoluta.
Acredito que nascemos machos ou fêmeas e, no decorrer da vida, de acordo com as nossas experiências e aspirações, conseguimos ou não nos transformar em homens ou mulheres. A condição indispensável para que isso aconteça é nos reportarmos às nossas origens dos primórdios e entrarmos em contato profundo com o nosso eu interior. Só então, concretizaremos a aventura de nos fazermos à imagem e semelhança da mulher de trinta anos idealizada por Balzac. Só assim, nos tornaremos verdadeiramente mulheres maduras, realistas, vividas, esbanjando sensualidade e realização.