"Renda-se, como eu me rendi.
Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei.
Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento."

(Clarice Lispector)

O Beijo

O Beijo
Gustav Klimt (1907)
Powered By Blogger

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Tema de destaque 15 - Maternidade parte 1 - Gerar um filho

Gosto de falar tudo muito explicado para não dar margem a dúvidas. Por isso, tenho a tendência de buscar o começo, a origem das coisas, a essência das pessoas. Então, para falar de maternidade, nada mais justo do que relembrar os primórdios: a escolha de gerar um filho. De repente trinta anos na cara. Parece um lugar comum, ou soa como uma idade mágica, um número cabalístico que afeta as mulheres e provoca nelas um desejo desesperado de ser mãe. Não é bem assim, mas saliento que faço parte da geração mamãe anos 2000, em que a maioria das mulheres desfruta de um espaço diferenciado na sociedade. Dedicamos mais tempo à nossa vida profissional, casamos mais tarde e, naturalmente, acabamos deixando a maternidade em segundo plano ou algo para ser concretizado quando tudo estiver conforme nossos critérios de estabilidade emocional, financeira e intelectual.


Comigo foi assim. O relógio biológico fez tic-tac e despertou o desejo adormecido. Tomou conta de mim, uma vontade visceral de ser mãe. Sentia que faltava algo para completar a minha vida depois de ter estudado anos a fio; uma graduação, uma especialização, um mestrado e um relacionamento estável de dez anos. Olhando do ponto de vista da racionalidade pragmática, o momento não era o mais apropriado, mas agora que tudo passou, vejo que não poderia ter sido diferente.

Tinha acabado de pedir demissão do meu emprego para me dedicar aos estudos novamente, só que com outro objetivo: passar em um concurso público. Parecia tudo sob controle; um ano estudando, no seguinte fazendo as provas... Não era possível que não desse certo, pensei, tomando como base a minha disciplina espartana. Já tinha iniciado as aulas em um cursinho preparatório ainda trabalhando, durante o aviso prévio. Mesmo com toda a vontade de ser mãe aflorando à flor da pele, não estava muito certa se era o momento apropriado. Mas por indicação médica tive que interromper o uso de anticoncepcionais e... batata! Dois meses depois estava grávida! Completamente grávida! Sem nenhuma sombra de dúvidas.

Os primeiros momentos foram de muita festa. Comemoração com a família e um brinde a aquele serzinho sem nome, sem sexo e nenhuma identidade, mas que já comovia os nossos corações. Entretanto, depois de um mês na minha nova rotina, a ficha caiu. Bateu um desespero enorme que me engolia a cada dia me tirando o chão e qualquer sensação de segurança. Nunca tinha ficado sem trabalhar, sentindo-me completamente dependente e ainda mais sob os efeitos de zilhões de hormônios e substâncias corporais. De uma hora para a outra, apelando ao desespero, tentei fazer algo para atenuar a situação. Fui atrás de um novo emprego. Tive uma breve alegria de ter meu currículo escolhido em três seleções para cargos maravilhosos. Só tinha um detalhe: a minha total sinceridade nas entrevistas e o fato de ninguém querer contratar uma mulher grávida de 3 meses!

Fiquei arrasada com tudo isso, mas aos poucos, e com muita ajuda e paciência do meu companheiro, fui voltando a um estado mais próximo do normal. Entrei na hidroginástica, levantei da cama depois de um período de depressão, creio eu, e voltei à luta. Entendi aquelas negativas como um sinal da vida me dizendo que deveria continuar com meus planos. E assim o fiz. Tive uma “DR” comigo mesma, pedi perdão ao meu bebê por todas as aflições que ele deve ter sentido dentro da minha barriga, e só então passei a curtir a gravidez com leveza e muita alegria. Queria que ele soubesse que minhas preocupações estavam associadas à minha necessidade exagerada de ser boa provedora, para que nada lhe faltasse. Portanto, tentei apagar qualquer traço de lamentação ou de tristeza. Afinal de contas aquela criaturinha tinha sido concebida com muito amor.

Com a calma sob o controle da minha mente, experimentei cada momento e sentia todas as mudanças. Tudo estava bem novamente. Não tive enjôos nem indisposições. E a libido; foi a mil!!!! Um cuidado especial que tive foi a ingestão de florais receitados pela minha mãe. Cada um tinha um significado; fortalecer os laços entre mãe e filho; estimular a produção de leite; dar disposição, além de outros aspectos necessários a uma mãe de primeira viagem. Aos quatro meses, senti ele mexer pela primeira vez. Parecia uma leve sensação de cócegas provocada pelo movimento de abrir e fechar das asas de uma minúscula borboleta. Estava no momento de relaxamento da aula de hidroginástica e ele veio todo pra frente, formando uma bolinha que dava para ver sob a pele. Naquele momento, senti uma emoção inexplicável, tive a certeza de que estava gerando uma vida dentro de mim.

Durante os meses seguintes, passei a conversar com ele diariamente. Tínhamos os nossos rituais repletos de carícias na barriga com a ajuda de cremes e óleos relaxantes; ouvíamos músicas com toques delicados; a escolha do enxoval; os enfeites. Logo fiquei sabendo que era um menino e o tema de decoração do quarto foi dos transportes, em tons de azul e verde. Mudamos para um apartamento maior um mês antes do nascimento dele e o quartinho foi pintado e decorado com nossas próprias mãos. Em cada detalhe colocamos todo o nosso carinho e percebemos como é grande a capacidade de amar alguém.

Recordo que o apoio da minha irmã foi fundamental para o meu equilíbrio. Ela se antecipava e explicava tudo, todos os detalhes a cada mês. Em quase todas as consultas de pré-natal contamos com visitas tão curiosas como nós, os pais corujas. Uma semana antes do previsto, numa manhã de domingo, acordei e a bolsa tinha rompido. Minha mãe tinha chegado no dia anterior para o chá de fraldas. Como gostaria de tentar o parto normal avisei à minha médica e fui deixar a casa em ordem. Coloquei as roupas sujas na máquina para lavar, depois para secar no varal, varri a casa, arrumei a malinha da maternidade. E depois fomos à casa da minha irmã. Já era hora do almoço e uma feijoada nos esperava. Às 15:30h minha médica falou que não dava mais para esperar e me pediu para ir ao hospital. Fomos todos em comboio; avós, tios, primos, sobrinhos, gato, cachorro e papagaio. Como a dilatação não passava de 3 cm e já tinha perdido muito líquido amniótico, tivemos que recorrer à cesárea.

Não poderia estar melhor assistida: o papai era o médico auxiliar, minha irmã a fotógrafa, minha cunhada filmava todos os detalhes e o anestesista também era uma figura conhecida. Tudo aconteceu muito rápido. Anestesia na coluna; empurra daqui e dali e, de repente o choro. Meu e dele! Um por experimentar, pela primeira vez a vida literalmente entrar pelo nariz e eu, por sentir toda a emoção que um ser humano é capaz de sentir em poucos segundos. Hora do nascimento: 16:09. A mão do papai tremia ao cortar o cordão umbilical. Os meus olhos transbordavam de lágrimas e estavam curiosos para conhecer aquela pessoinha que tinha habitado o meu ventre nos últimos nove meses.

Finalmente chegou o nosso momento. Ele sentiu o meu cheiro e rapidamente se aquietou. Fez todo aquele ritual; pesar, medir altura, limpar secreções e tudo mais. Na sala de recuperação já deu a primeira mamada. Era muito guloso e logo secou o peito que mais parecia uma bola de futsal. Cheguei ao quarto primeiro e fui recebida por todos. Parecia um grande evento na maternidade. Os funcionários falaram que nunca tinham tido uma paciente que recebera tantas visitas de uma só vez. Alguns minutos depois ele fez sua entrada triunfal, todo embrulhadinho em uma manta verde e guardadinho em um berço de acrílico. Passou de colo em colo, posou para fotos e mais fotos. Imediatamente foi apelidado de bebê Big Brother. Confesso que, mesmo mergulhada naquele carinho todo, não agüentava mais esperar para tê-lo em meus braços. Alôôôôôôôô! A mãe aqui sou eu! Eu quero lamber a minha cria recém parida!

Quando finalmente todos saíram para comemorar o nascimento do pimpolho em uma pizzaria, minha mãe trouxe o meu anjinho na cama e só então pude ver todos os detalhes daquele rostinho meigo. Cinco dedinhos em cada mão, cabelos escuros como os meus, o corpinho minúsculo e vermelho, e os olhos do pai. Em poucos segundos já havia decorado cada pedacinho dele, até uma marquinha, tipo uma queimadura, na mão esquerda. Nossa primeira noite juntos foi inesquecível. Ele se agarrou no peito e só largou na manhã seguinte. Dormimos abraçados, eu e o meu grande tesouro. Ali senti que algo tinha mudado por dentro, algo mágico e imperceptível aos olhos. Estava encantada com aquele ser tão pequeno, frágil, indefeso e completamente dependente do meu amor.

Senti uma alegria tão grande ao amamentar, um estado de êxtase que parecia ter chegado a hora de morrer. Então fiz um acordo com Deus, antes mesmo de ir pra casa. Eu não poderia deixar este mundo antes de o meu pequeno completar 18 anos. Espero que ele cumpra. E se não cumprir terá que lidar com a ira de uma mãe enraivecida! Depois de toda a história contada, o ponto que gostaria de ressaltar dessa breve experiência é o fato de que apenas uma ou duas gerações depois, a escolha de gerar um filho é algo que pode despertar sentimentos completamente diversos dos vivenciados em épocas pretéritas. Em pouco tempo, é possível experimentar alegrias e tristezas, numa alternância entre desespero e lucidez, mesmo em situações tão favoráveis como as minhas.

Por outro lado, não há nada mais próximo do divino, neste planeta, do que a sensação de oferecer seu corpo como casa e princípio da vida para abrigar o desenvolvimento e a sobrevivência dos primeiros meses da vida de outro ser. Quando isso acontece, ficamos envolvidos por um amor que precede identidade, sexo, e ultrapassa qualquer desafio, inclusive a possibilidade de gerar um bebê especial. Somos movidas por um sentimento que desafia espaço, tempo e direção. E só então, só experimentando a sensação de segurar seu filho no colo, alimentá-lo, providenciar seus cuidados diários 24 horas por dia, só assim, é possível compreender por um instante o ditado que diz: amor de mãe é tudo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário