"Renda-se, como eu me rendi.
Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei.
Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento."

(Clarice Lispector)

O Beijo

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Gustav Klimt (1907)
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quinta-feira, 24 de março de 2011

Tema de destaque 24 - A Deusa da Fertilidade

Embora as mulheres tenham alcançado grandes conquistas nos últimos tempos, em se tratando de fertilidade, quanto mais o tempo passa, mais elas têm ficado vulneráveis e até reféns. A geração mamãe anos 2000 não chega nem perto das parideiras de antigamente. Não estou estabelecendo nenhum tipo de disputa, tampouco diminuindo as potencialidades das fêmeas do século vinte e um, apenas destaco um fato que já ganhou proporções descabidas para nossa racionalidade feminina.

Muitas repetem o mesmo ritual durante meses e nada. São apelidadas de as tentantes da vez. Calculam o melhor dia, fazem o reprodutor engrossar o caldo, consumam o ato e imediatamente deitam de pernas pra cima por pelo menos cinco minutos... É um malabarismo só. Pense na cena! Parece engraçado, mas depois de um tempo acaba se tornando um pesadelo. Se sentem prazer, nem se lembram. E muitas vezes o resultado não é satisfatório. Há poucas décadas, o que era visto como a coisa mais natural para a mulher, desde que o mundo é mundo, hoje é encarado por muitas como um sofrimento intenso.

Para completar a caricatura, aos 35 anos, a gestante é enquadrada na literatura médica como mãe idosa. Pura sacanagem. Será que isso foi ideia de um homem? As que se aventuram ao desafio de conceber um filho aos 40 apelam ao divino e rezam diariamente para ter seus bebês saudáveis. Logo agora que são compartilhados tantos segredos de longevidade e vitalidade. Aqueles truquezinhos que prolongam os anos a fio, mas não são capazes de prolongar as capacidades reprodutivas, nem de conter a deterioração do cerne da vida: o óvulo.

Nisso, temos que dar o braço a torcer à natureza masculina. Enquanto nós mulheres nascemos com todos os óvulos que nosso organismo é capaz de produzir na nossa existência, ficando à mercê da data de validade e do seu grau de maturação para fecundar, os homens, são bem safos. Podem produzir suas sementes a qualquer hora e em qualquer tempo. A idade até limita a qualidade inicial dos espermatozóides da adolescência, que podem nascer descabeçados ou numa contagem inferior, mas nada tão dramático.

E agora? O que devemos fazer? De um lado enfrentamos os desafios de nos firmarmos no mercado de trabalho, de lutarmos pelos nossos sonhos, de encararmos com unhas e dentes um mundo competitivo e individualista, de construirmos o futuro que acreditamos merecer. De outro, damos de cara com o reloginho da natureza que insiste em lembrar-nos que o tempo está passando e que não somos mais uma menina. E nesse vai e vem, quando entra em cena a deusa da fertilidade que supostamente habita cada uma de nós?

Muita calma nessa hora. Para tudo dá-se um jeito. É claro que é possível conciliar tantas frentes de trabalho ao mesmo tempo, mas para ter sucesso, precisamos reconhecer que precisamos de ajuda. Essa história de bancar a super mulher e achar que é auto-suficiente não está com nada. A natureza é tão sábia que já organizou o processo pra ser vivido a dois desde o início. É só uma dica pra ver se a gente entende o recado.

Além disso, precisamos estar atentas ao outro relógio. Aquele que suplica desesperadamente para que sejamos menos precavidas, para darmos aquela escorregadinha básica, para que tenhamos a coragem de arriscar perder o controle sobre um futuro que nunca nos pertenceu. Ser mãe não é algo do outro mundo. E o manual executivo e operativo já vem guardadinho, só precisa ser acessado em caso de dúvidas. E para o nosso bem, se tivermos a postura otimista, iremos perceber que o universo passa a conspirar a nosso favor para que tudo dê certo.

É claro que gerar um filho é uma bênção, a materialização de um milagre da natureza. Mas o estilo de vida contemporâneo que prega a igualdade entre homens e mulheres esqueceu-se de considerar um pequeno detalhe: homens e mulheres são diferentes. Não me refiro a potenciais nem a capacidades de fazer as coisas acontecerem. Refiro-me aos ciclos da vida, à atuação dos hormônios nas entranhas, às conformações do corpo e da mente. Quem vai negar que as limitações são reais, independentemente de juízo de valor ou de orientação politicamente correta?

Pode ser que eu tenha um modo de ver essa situação às antigas, mas acho que essa é uma das formas que a vida encontrou de fazer imperar a lei da parceria, mesmo em tempos de cada um por si e Deus por todos. É como se a vida requeresse a união de duas almas para se fazer florescer. Enquanto um gera e pari, o outro ser segura as pontas e garante as mínimas condições de sobrevivência. Enquanto um alimenta o fruto do seu próprio corpo, o outro se dispõem a ser companheiro e indulgente. Quando um não consegue mais escutar o choro ininterrupto, o outro se prontifica a acalentar. Mesmo que não permaneçam juntos depois, ao menos tiveram a experiência de compartilhar esse acontecimento desde o princípio.

O ato de gerar uma criança deve ser encarado como uma escolha madura que envolve grandes responsabilidades. Para muitas mulheres, funciona como um acontecimento mágico e inigualável que de fato as tornam especiais e muda suas vidas para sempre. Para outras, é encarado como mais um ciclo de mudanças, tão natural como a chuva que cai do céu, encharca o chão para alimentar os córregos e volta a formar nuvens.

De todas as suposições e interrogações que fecundam nossas mentes criativas, prefiro dar destaque a apenas uma delas. Para as pessoas que acreditam que ter filhos só traz preocupações e prejuízos, sinto dizer, mas estão completamente equivocadas. Essas criaturinhas nascem com o dom de nos tirar do sério, mas em alguns momentos especiais despertam em nós a grandiosidade do amor que somos capazes de sentir e exalar. Ajudam-nos a experimentar a vida em sua manifestação mais verdadeira e sublime: amar incondicionalmente sem ter a garantia de receber algo em troca.