"Renda-se, como eu me rendi.
Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei.
Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento."

(Clarice Lispector)

O Beijo

O Beijo
Gustav Klimt (1907)
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sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Final de Ano

Estava pensando a respeito da vida e sobre a nossa reflexão anual sobre o que fomos e sobre o que queremos ser. É o otimismo e a esperança de sermos pessoas melhores que nos inspiram e nos impelem a cultivar a vontade de se superar e ser alguém melhor do que antes. Então, pensei nas pessoas de que gosto, nos familiares, nos amigos, nos agregados... Pensei ainda no que diria neste momento para fortalecer a crença de que o amanhã sempre poderá ser um dia muito feliz.

Não há receitas, mas começar se esforçando para não perder as oportunidades de fazer o bem é um bom começo. E mesmo que não consiga aproveitar todas elas, não se preocupe, a intenção é o que importa de verdade.

Trabalhe muito. Dedique-se para fazer o melhor que pode. Esteja sempre aberto para aprender com as novidades e com o empirismo das pessoas mais experientes.

Ame profundamente. Aprenda a reconhecer os sinais de estar perto de alguém especial e descubra o que é preciso ser feito para compartilhar sua vida com um companheiro. O amor apenas se concretiza quando alcança o outro.

Tenha um filho ou eleja alguém para esse papel. Seja um porto seguro para todas as idas e vindas de um amor incondicional.

Perdoe e seja condescendente. Mesmo que esteja ferido e triste, o perdão liberta e dá a chance de um recomeço. Ser condescendente nos lembra que também precisamos pedir perdão pelos nossos erros.

Dedique-se a outras pessoas. Ajudar os outros a realizarem seus sonhos torna a convivência neste mundo mais leve e terna.

Sorria e seja gentil. Gentileza gera gentileza.

E agradeça sempre. Agradeça à vida por todas as chances que teve, pelas pessoas que passaram pelo seu caminho, pelas experiências e principalmente por ser você.

Não se preocupe se um ano é pouco para tantos afazeres. Temos a vida toda pela frente. O que importa é a transformação diária de conta-gotas, em doses homeopáticas...

Desejo a todos um Feliz Natal e um Ano Novo cheio de esperanças e conquistas.

Andréa Naritza.

Estou de Volta

Depois de tanto tempo consegui voltar a escrever.
Minha filha já nasceu e às vezes me permite ter momentos só meus.
Pensei que este dia não chegaria nunca. Exageros do sexo feminino!!!
Vou começar postando um mensagem de final de ano.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Tema de destaque 29 - Mente e alma feminina

Existem várias maneiras de se perceber uma mulher. Talvez, as mais difundidas sejam a de santa mãe e a de Amélia. Parecem ser as duas que mais evidenciam as características de santidade e acolhimento ao extremo, tanto destacadas como características do sexo feminino. As duas mostram o que historicamente se esperava do feminino: paciência e submissão.

Não podemos entender essa forma de pensar com a mente impregnada de maldade e preconceito. Também vale a pena experimentar a reflexão de como a imagem da mulher era compreendida pelos homens e por ela mesma. Antes mesmo de se consolidar uma identidade própria, como se vê na atualidade, já existiam diversas formas de expressão, representação e entendimento do feminino pelas próprias mulheres de cada época.

Mas quando se fala em mundo moderno e globalizado é possível dizer que até a imagem de mulher santa e dona Amélia não é mais a mesma. Traçando um perfil extremo e completamente contrário a essas figuras dos primórdios, surgem as mulheres de aço do século XXI. São as executivas que atuam com mão de ferro. Perfeccionistas, não casadas em sua maioria, não mães e famigeradas por se afirmarem no trabalho. São estigmatizadas por supostamente carregam uma pedra no coração.

Pensando de outra forma, sugiro que a melhor maneira de entender uma pessoa, qualquer que seja o sexo, é abandonando os estigmas. Deixemos de lado os conceitos impregnados de feminismo ou do machismo eterno e abramos nossas cabeças para compreender a mente das fêmeas que vivem inteiramente sob a ação de hormônios mil. Isso sim é um fator que merece um entendimento mais profundo.

Em cada uma de nós há um pouco de louca e uma pitada de santa. Vivemos uma batalha constante com nossos altos e baixos, com a nossa carência de afago, falta de proteção e necessidade de reconhecimento dos nossos potenciais.

Vivemos em ciclos constantes e em fases que nunca se acabam, acima de tudo, sob as influências de substâncias que nem sabemos o nome. E é nesse mosaico formado por várias faces e por diferentes eus que nos revelamos ao mundo.

Quando assumimos o papel de amante, desejamos ser a mais quente e aquela capaz de saciar todos os desejos do nosso objeto de amor. Mas por outro lado, brigamos com as culpas que nossas ancestrais gravaram nas nossas memórias. Devemos ser sensuais sem vulgaridade, dar prazer sem ser puta, insinuar de forma recatada.

Ao nos tornarmos mães, temos a missão de zelar pelas nossas crias e de estarmos dispostas a lutar como uma leoa, com unhas e dentes. Devemos saber alimentar, dar colo, educar e criar nossos filhos para a vida. Mesmo sabendo que eles saíram do nosso ventre, temos de nos convencer de que eles não nos pertencem. Tudo isso com muita calma, paciência e devoção.

A dona de casa deve prezar pela boa alimentação da família e ter uma casa acolhedora que minimamente retrate o que chamamos de lar. Deve ter respeito com aqueles que lhe prestam serviços, estabelecer as rotinas básicas da família e fazê-las funcionar. A rainha do lar deve rogar pela paz familiar e além de tudo ser uma mulher de verdade, prestando atenção em todos os detalhes para que tudo esteja em seu devido lugar.

No trabalho, a mulher profissional tem suas capacidades questionadas diariamente, mesmo que de forma implícita. Em alguns casos são tratadas com rivalidade simplesmente por serem extremamente dedicadas e competentes. Quando insistem em questões polêmicas, podem até ser alvo de preconceito. No fundo, apenas querem conciliar a alegria de ter o dever cumprido e poder ir pra casa desfrutar do ambiente familiar, quando ele existir.

Um dos papéis mais difíceis vivenciados pela mulher é nos relacionamos a dois. Além das dificuldades de entendimento da nossa própria natureza, precisamos desenvolver a habilidade de conhecer o outro, de lidar com sua forma de percepção do mundo, de saber negociar o que pode ser deixado de lado e o que é indispensável para o equilíbrio da relação.

E agora a parte mais complicada de todas: incorporar os diversos papéis e parir a camaleoa que habita o íntimo de cada uma de nós. Sem falar em todas essas regras e ensinamentos para uma vida saudável e feliz, ainda tem a influência hormonal que está impregnada na nossa própria definição. Uma mulher de fases, complicada e perfeitinha... É assim que nos somos.

Devido a tantas influências, somos uma metamorfose ambulante. Partimos de um extremo a outro e, em questão de segundos, escondemos o halo de santa e sacamos as garrinhas de bicho. Mas também falamos e pensamos em coisas doces e ternas. O nosso eterno romantismo nos despe das farsas das supermulheres. Somos frágeis e indefesas quando o assunto é amor e alimentamos sonhos infantis sobre a forma ideal de amar.

O que se passa na mente de uma mulher depende principalmente da fase em que ela está vivendo e é claro, da sua própria história de vida. Os traumas nos acompanham até o momento em que escolhemos dar um rumo diferente para as coisas. Mas a essência de uma mulher é algo que marca para toda a vida.

Na grande maioria das vezes em que alguém tenta descrever um ser do sexo feminino usa e abusa de inúmeros adjetivos, mistura defeitos com qualidades e acaba desenhando um ser ímpar, que faz toda a diferença. Ela deixa a sua marca como um perfume que se espalha no ar e deixa o rastro de um cheiro que logo se esvai... E mesmo que todas as faces estejam presentes, uma delas exerce o papel principal.

domingo, 12 de junho de 2011

Tema de destaque 28 - O trauma

Em se tratando de sentimentos, a maioria das pessoas tem uma opinião parecida. O coração é bobo, nele cabe todo mundo e é derretido feito manteiga. Compactuo dessa opinião em algumas situações. Tem horas que somos impacientes, implacáveis e completamente intransigentes. Mas em outros instantes, perdoamos setenta vezes sete se for necessário.

Então, como encontrar o meio termo? Como saber ser diferente de quente ou frio sem ser morno? Como saber se devemos ou não tentar mais uma vez? Afinal somos parte interessada. Seremos beneficiados se a suposta chance for segurada com unhas e dentes pelo suposto infrator das nossas normas. Também curtiremos momentos de extrema alegria se as linguagens individuais se ajustarem a um diálogo inteligível por dois.

Tenho um palpite a respeito. É uma pequena desconfiança que me dá uma luz nos momentos mais extremos. Suponho que seja difícil descobrir a linha do equilíbrio pelo fato de sermos temerosos dos nossos traumas. Não damos nada por eles, até duvidamos da sua existência, mas de vez em quando eles colocam as unhas de fora.

Gato escaldado tem medo de água fria não é mesmo? E até os mais afoitos se vem naqueles instantes de autocontrole extremado, completamente travados.

O maior medo de todos é o de sofrer. Reconhecemos a situação propícia pra perdermos o chão. Sentimos o cheiro do perigo de longe. Mas quem liga pra esses avisos. Eles podem estar equivocados... E mesmo que não estejam que diferença isso faz? Quando a gente acredita que qualquer sacrifício vale a pena, ninguém é capaz de nos deter, nem nós mesmos.

Segundo especialistas, a maioria dos nossos traumas tem sua estreia na infância, quando ainda somos indefesos e despidos da capacidade de discernimento entre o que é verdadeiramente marcante e o que pode ser deixado de lado, perdoado ou esquecido. Alguns deles são invenção da nossa mente, mas até descobrirmos que se tratavam de uma percepção distorcida da realidade, gastamos anos na terapia e nos afogamos em lágrimas desnecessárias.

Algumas pessoas ficam paralisadas em determinadas situações que as remetem ao trauma mãe. Outras ficam amargas e deixam de experimentar o perfume dos supostos melhores momentos da vida. Também existem aquelas que criam uma armadura de ferro ao seu redor, fria e inflexível, projetada para servir como proteção dos males dos sentimentos.

O processo de reconhecimento das saídas e das alternativas disponíveis para buscarmos a saúde mental e do coração parte do nosso próprio processo de crescimento pessoal. É claro que estar cercado por cuidados de quem nos ama é uma condição necessárias para  a superação das tristezas e dos medos, mas grande parte do esforço tem que vir de nós mesmos.

Além disso, para virar gente, todo mundo precisa ouvir um não bem dado, de receber limites, de correções de conduta, da proposição de regras que garantam o bom convívio coletivo. Mas o que vemos hoje é um exagero de dádivas para tapar buracos. Presentes que funcionam como compensações das ausências.

Olhando por uma perspectiva mais dura e cruel, podemos dizer que fica difícil pôr em prática a tentativa de ver o lado bom de certos acontecimentos. Aquele aprendizado que nos ensina a ser mais sábio pelo fato de fazer a opção de crescer com as perdas.

Mas como se explica isso a uma criança que sofre abusos ou àquela que é criada sem a chance de viver o seu lado lúdico infantil? Como se consegue pedir calma e paciência a alguém que tem a urgência de se ver liberto? Como se aprende essa lição sem aumentar os traumas do passado? Só me vem à mente uma resposta: por meio do amor.

Não é ele que move montanhas, que faz de nós seres maiores e capazes de vencer os momentos mais turbulentos? Não é ele que nos fortalece a alma e amacia os sentimentos nos encorajando a baixar a guarda e a viver o lado bom da vida? Não é ele que nos inspira a viver a dois e nos conduz a arriscar o compartilhamento de responsabilidades?

Sendo assim, dispo meu corpo e minha mente de todas as amarras que me prendem a um passado de sofrimentos. Encosto à janela e sinto o calor do sol a esquentar a minha pele e com ele, imagino que o amor me penetra pelos poros. Mentalizo uma luz vermelha e brilhante que me embala e me protege de mim mesma, que afasta dos meus pensamentos o medo de sofrer mais uma vez.

Agora já estou pronta para me atirar à vida novamente. Sendo que dessa vez não me vejo entrando em uma guerra de sobrevivência. Encaro o momento como uma batalha interior para o refazimento de meus conceitos, da minha essência, do meu eu.

Se em algum dia pretendo tornar-me nobre, que o processo de transformação comece agora e dessa maneira. Que se abram todas as pétalas para que eu deixe partir tudo o que não me pertence, tudo o que me diminui e tudo aquilo que me faz refém.

E que os traumas que um dia me afligiram o peito sejam apenas um sinal de alerta sobre as pedras do caminho. Contudo, que percam todas as forças que antes tinham o poder de anuviar minha vista, de causar tensão e de paralisar os meus passos errantes.

Filhos - por Jose Saramargo

Devemos criar os filhos para o mundo. Torná-los autônomos, libertos, até de nossas ordens. A partir de certa idade, só valem conselhos. Especialistas ensinaram-nos a acreditar que só esta postura torna adulto aquele bebê que um dia levamos na barriga. E a maioria de nós pais acredita e tenta fazer isso. O que não nos impede de sofrer quando fazem escolhas diferentes daquelas que gostaríamos ou quando eles próprios sofrem pelas escolhas que recomendamos.

Então, filho é um ser que nos emprestaram para um curso intensivo de como amar alguém além de nós mesmos, de como mudar nossos piores defeitos para darmos os melhores exemplos e de aprendermos a ter coragem. Isto mesmo! Ser pai ou mãe é o maior ato de coragem que alguém pode ter, porque é se expor a todo tipo de dor, principalmente da incerteza de estar agindo corretamente e do medo de perder algo tão amado.

Perder? Como? Não é nosso, recordam-se? Foi apenas um empréstimo! Então, de quem são nossos filhos? Eu acredito que são de Deus, mas com respeito aos ateus digamos que são deles próprios, donos de suas vidas, porém, um tempo precisaram ser dependentes dos pais para crescerem, biológica, sociológica, psicológica e emocionalmente.

E o meu sentimento, a minha dedicação, o meu investimento? Não deveriam retornar em sorrisos, orgulho, netos e amparo na velhice? Pensar assim é entender os filhos como nossos e eles, não se esqueçam, são do mundo! Volto para casa ao fim do plantão, início de férias, mais tempo para os filhos, olho meus pequenos pimpolhos e penso como seria bom se não fossem apenas empréstimo! Mas é. Eles são do mundo. O problema é que meu coração já é deles.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Tema de destaque 27 - Eu não sou de ninguém

Sempre vivi uma independência torta e desde criança não cultivava o hábito de andar em grupinhos. Cheguei a cogitar que isso era algum tipo de problema. Não pertencia a nenhum deles especificamente, mas circulava entre todos e ficava bem assim. Na adolescência, isso era mais perceptível e os grupos representavam os diferentes guetos da escola. As patricinhas, os descolados, os “Nerds”, os populares, os esportistas, os riquinhos, os estranhos que ficavam de escanteio...

Percebi que não tinha preferência por circular em nenhum deles. Não que eu não sentisse os anseios que afligem a maioria dos jovens. É que eu me sentia bem em ser livre; ser de todos e ao mesmo tempo não pertencer a ninguém. A minha lealdade estava afinada com o senso de justiça e só. Não era nada calculado. Apenas acontecia assim e só percebi isso depois que o tempo passou. Foi um encaminhamento espontâneo.

Lembro que não gostava da frescura das patricinhas, não concordava com o ar esnobe dos riquinhos, não me atrevia a experimentar metade das coisas que os descolados faziam e me sentia popular com todos com quem me relacionava. Além disso, a criação que recebia em casa me mostrou uma forma consciente de encarar a vida e as pessoas, inclusive de encarar períodos de privações, crises e adversidades.

Agora é possível entender que estávamos sendo preparados para encarar a vida como ela é. Claro que maturidade não dá em árvore e que às vezes é algo muito difícil para um adolescente vivenciar. Dói mesmo! Mas depois que os turbilhões passam, vale a pena pagar o preço. Percebo que na infância era constantemente desafiada a me portar como uma adolescente e quando me tornei adolescente tinha que responder como uma adulta.

Não segui nenhum tipo de doutrina, foi a necessidade mesmo. Vivenciamos muitas dificuldades compartilhadas com toda a família e isso demandava compreensão por parte de todos, até do mais novo. Nada era omitido e todas as responsabilidades diárias eram divididas. A casa era de todos e precisava funcionar independente das queixas e lamentações individuais de cada um de nós.

Aprendi a passar, cozinhar, cuidar de criança, de jardim e de cachorros. E não vejo esse processo como um curso de imersão na formação de Amélias. Encarei o aprendizado como uma experiência indispensável para dar conta de gerenciar uma casa e, consequentemente, de uma cuidar de uma família.

Não sei se essa é a receita ideal para formar indivíduos, mas confesso que hoje em dia valorizo o esforço dos meus pais em terem nos ensinado assim. Também agradeço aos meus irmãos pelo companheirismo de sempre, que ajudou a superar os tempos difíceis e aprender a dividir o peso das responsabilidades com outras pessoas.

Recentemente, percebi-me em uma situação que despertou a curiosidade sobre o assunto do início. Uma colega de trabalho me questionou de forma muito sentida porque eu não havia convidado ela para lanchar! Que cena dramática! Fiquei tocada, é verdade. Tanto que refleti a respeito. O engraçado é que não pensei a respeito da falta do convite, mas sim sobre os aprendizados mais tenros.

Imediatamente lembrei-me das frases recorrentes da minha mãe que repetia a minha avó. Ensinava que não deveria fazer o que todo mundo faz, só por fazer. Dizia que os modismos passavam e que as pessoas deveriam aceitar as outras como elas são e não pela aparência ou posses. Pregava valores cristãos e impregnados do senso comum de cidadania, mostrando que só devemos fazer ao outro aquilo que desejamos para nós. Ela era a dona da verdade em carne e osso.

Cresci impregnada com essa essência. E, certa vez, no calor das discussões sobre política e economia com meu pai, fui taxada de comunista. Foi uma cena muito hilária de se ver. Ele, completamente da direita e eu, com aquele discurso de defesa dos mais fracos e oprimidos. Foi uma comédia. Retruquei com ar de provocação. Disse que se tivesse nascido na época de caça às bruxas ou das lutas comunistas, provavelmente acabaria queimada em praça pública ou brigando por um país mais justo e inclusivo. Atualmente, faço isso de outras formas. 

Ao revelar esses pensamentos compreendo que os ensinamentos, do tipo lugar comum para quem vê de fora, foram essenciais à minha sobrevivência, bem como para que eu deixasse aflorar a minha personalidade assim como ela é.

Enquanto algumas pessoas valorizam o superficial e as relações descartáveis, escolho a vivência mais íntima e profunda. Adoro apreciar o belo e as novidades, mas não desperdiço a experiência disfarçada na figura de um ser idoso. Gosto de desafios e não me recuso a seguir o fluxo da vida, qualquer que seja.

Em situações difíceis, confesso que me dou ao direito de chorar, de ser frágil, de pedir colo e de reconhecer como sou pequenina. Não adianta estar disposta a encarar as adversidades e me largar em uma onda turbulenta sem ter os preparos devidos. Viver assim seria completamente insano e imprudente. E então, ao invés de me fazer fraca, como muitos pensam, eu renovo a minha crença em mim mesma e encontro a força necessária para dar saltos.

Entre um erro e um acerto, um susto e uma boa surpresa, um gosto novo e o saborear do nostálgico, a gente vai descortinando uma vida cheia de emoções e de significados. Situações e eventos que nos moldam e que, se bem aproveitados, fazem a diferença na consumação da realização pessoal ou em família.
Não somos apenas pessoas nascidas para povoar o mundo. Viemos aqui para fazer a diferença e isso significa nos questionarmos constantemente a respeito do que temos feito com os nossos talentos. Enterrá-los ou desenvolvê-los e compartilhá-los; eis a questão?

Gente Humilde - Composição de Garoto, Chico Buarque e Vinícius de Moraes



Tem certos dias

Em que eu penso em minha gente

E sinto assim

Todo o meu peito se apertar

Porque parece

Que acontece de repente

Como um desejo de eu viver

Sem me notar

Igual a tudo

Quando eu passo no subúrbio

Eu muito bem

Vindo de trem de algum lugar

E aí me dá

Como uma inveja dessa gente

Que vai em frente

Sem nem ter com quem contar

São casas simples

Com cadeiras na calçada

E na fachada

Escrito em cima que é um lar

Pela varanda

Flores tristes e baldias

Como a alegria

Que não tem onde encostar

E aí me dá uma tristeza

No meu peito

Feito um despeito

De eu não ter como lutar

E eu que não creio

Peço a Deus por minha gente

É gente humilde

Que vontade de chorar

Tema de destaque 26 - Férias em família

Aquela visão mais parecia a própria manifestação do Apocalipse. O sol quente na cabeça, quatro crianças pequenas gritando no pé do ouvido, uma pequena aglomeração de idosos, uma gestante, duas sogras, um sogro, uma cunhada, duas irmãs com os respectivos maridos e o sangue à flor da pele é claro!
Depois de alguns dias convivendo continuamente com 13 membros da mesma família, a chegada a um parque temático da Disney, inteiramente lotado, só poderia se assemelhar a uma cena do fim do mundo. Para completar, um feriado prolongado fazia a multidão se multiplicar por dois, ou até três!
Nunca pensei que esse tipo de passeio desse tanto trabalho. Só pensava em férias, sombra e água fresca, acordar preguiçosa e sem saber qual era o dia da semana. Mas não foi bem assim que aconteceu.
Os dias começavam já na noite anterior, quando as mochilas das crianças eram cuidadosamente arrumadas. Uma muda de roupa, o lanche nutritivo e o gostoso, água, fralda para o bebê, um brinquedo para distrair nos momentos de tédio, agasalho, documentos e tudo aquilo que uma mãe precavida possa julgar necessário.
Ao amanhecer, o despertador tocava e todos corriam em uma determinada direção. Depois de duas noites, o despertar já não ocorria de imediato e uma preguiça teimava em atrasar a turma. Quando conseguíamos ficar prontos, secávamos o suor do rosto e seguíamos em direção aos carros.
Os três motoristas checavam as baterias dos seus apetrechos de navegação e atualizavam os novos endereços no GPS. Já tínhamos baixado os mapas de toda a região e assim, conseguíamos chegar a qualquer destino. Bastava escolher: rota mais rápida ou mais curta. Eu amo a tecnologia, não sei como estar antenada a todas as novidades que surgem, mas reconheço que a criatividade do ser humano é capaz de mover montanhas.
A chegada ao parque era sempre uma alegria. Foto daqui, foto dali e muitos sorrisos. De todas as caras alegres que cruzavam o meu olhar, preferia admirar o encantamento escancarado nos olhos virgens das crianças que só conheciam aquela realidade pela televisão. Era uma expressão mais linda que a outra.
Terminado o romantismo, vamos à realidade. Imaginem só a loucura de reunir esse povo todo naquela imensidão! Ai, ai, ai... Era esquecimento disso ou daquilo. Quando o pé de um parava de doer o grupo esperava o outro ir fazer xixi. Perde daqui, acha dali. E a fome. Nossa, quando essa aí chegava era melhor ninguém se olhar muito porque saía faísca. Só perdia para a espera incansável de 90 minutos na fila de uma atração. E no fim dor nas costas, nos pés, na cabeça, nas juntas...
E assim foi. Os dias passaram, a semana chegou ao último ponto e mesmo com todas as verdades que foram ditas em tom de irritação, o que ficou de lembrança foi o sentimento de congregação. O aprendizado foi para todos. As crianças observaram as limitações com os idosos que, por sua vez, lembraram o tempo em que cuidavam dos seus pequenos.
Mesmo com todas as piadas que contam sobre os problemas que surgem quando se vive em família, algumas até em tom de ironia e sarcasmo, só posso dizer que para mim predomina a alegria de compartilhar meus momentos felizes e infelizes com pessoas muito queridas. E quanto maior ela for maior, sabemos que maior será o barulho, os atropelos, as confusões e até a efervescência da falta de paciência. Mas o que fica desses tempos de turbulência boa não tem preço.
Quando penso na minha família, a primeira coisa que se destaca é a nostalgia dos tempos de infância na casa da minha avó. Foi uma época tão boa que não dá para esquecer nem fingir que não aconteceu. Só de sentir alguns cheiros e aromas, lembro o sabor da comida caseira feita na hora e servida para todos numa mesa sem fim.
Outra boa lembrança é sobre o convívio com meus primos. Alternávamos as férias entre uma casa e outra e ficávamos sempre juntos. Passávamos horas jogando “War”, brincando na rua ou na praia quase deserta. Foram bons tempos aqueles. Tão bons que deixaram o sabor de quero mais, o desejo de se reencontrar para mais um papo e saber como a vida anda.
Só sabe a falta que a família faz quem já perdeu a sua ou quem nunca viveu sob o teto de uma. Existem exceções para tudo, mas sobre esse assunto, creio que no fundo, todo mundo gosta de saber que tem um ninho, um porto seguro entre os seus para correr nos momentos de crise e para celebrar as alegrias.
Imagino que esse tenha sido o sucesso da nossa viagem em família. Deixamos os laços de respeito e os sentimentos de bem querer se sobreporem aos desagastes que todo ser humano enfrenta no dia a dia. Agora só preciso de férias dessas férias para voltar ao gás de sempre.

Amor de Índio - Composição de Beto Guedes e Ronaldo Bastos

Tudo que move é sagrado


E remove as montanhas

Com todo o cuidado, meu amor

Enquanto a chama arder

Todo dia te ver passar

Tudo viver a teu lado

Com arco da promessa

Do azul pintado, pra durar



Abelha fazendo o mel

Vale o tempo que não voou

A estrela caiu do céu

O pedido que se pensou

O destino que se cumpriu

De sentir seu calor

E ser todo

Todo dia hei de viver

Para ser o que for

E ser tudo

Sim, todo amor é sagrado

E o fruto do trabalho

É mais que sagrado, meu amor

A massa que faz o pão

Vale a luz do teu suor

Lembra que o sono é sagrado

E alimenta de horizontes

O tempo acordado, de viver

No inverno te proteger, no verão sair pra pescar

No outono te conheçer, primavera poder gostar

No estio me derreter

Pra na chuva dançar e andar junto

O destino que se cumpriu

De sentir seu calor e ser tudo

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Aniversário de um ano do blog

Há um ano lancei-me na aventura de criar um blog para falar sobre o universo feminino. Era um tempo de mudanças, algumas delas de natureza emocional e outras em função do próprio fluxo da vida. Na época, lancei o desafio de explorar a mente feminina em um ano. Passado esse período, não cheguei nem perto de esgotar os diversos assuntos que surgem na mente de uma mulher.  
Só posso dizer que, apesar de todos os atropelos e dificuldade em manter um fluxo mais constante de postagens, a experiência vem sendo altamente positiva e, em função disso, pretendo continuar com o projeto. Agora com uma diferença: nada de prazos!!!
Seguirei meu coração na medida do possível e de acordo com as inspirações com as quais eu me deparar no decorrer do caminho. Tantas novidades aconteceram e a mais importante delas foi a vinda de mais um filho. Agora serei mãe de dois, Carlos Rodrigo de 3 anos e Beatriz que está no ninho.
Espero que meus escritos tenham servido para todos que leram, no sentido de desmistificar as lendas que giram em torno das mulheres. Somos complicadas, mas também perfeitinhas! Doidas, mas também santas.  E acima de qualquer categoria somos gente.
Um aspecto bastante positivo que vem contribuindo para o meu crescimento é a percepção de que quando escrevo sabendo que outras pessoas irão ter acesso aos meus pensamentos, busco me esforçar mais para ser inteligível. Com isso, e ao colocar os sentimentos no papel, acabo entendendo melhor o que acontece comigo.
Espero que as pessoas que convivem diretamente comigo também tenham sentido alguma diferença positiva como resultado da influência do blog. Faz parte da minha cultura de aprendizado crer que os ganhos se tornam mais concretos quando ocorrem de forma conjunta. Não faria muita diferença se os benefícios se revertessem apenas para a minha pessoa.
Agradeço aos amigos que se tornaram seguidores para darem força ao blog; aos curiosos e desconhecidos que também se tornaram seguidores por sentirem algum tipo de afinidade com o assunto e a cada experiência que deu margem à minha imaginação feminina.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Tema de destaque 25 - Vida e a força que liberta

Ao atravessar as etapas da vida, cada pessoa vai moldando sua forma personalizada de descobrir o mundo e internalizar o aprendizado de cada fase marcante. Por isso, é comum dizer que não há receitas que sirvam a todos. Cada ser é um mundo à parte e cada parte tem uma infinidade de pedaços oriundos de um conhecimento ainda não processado. Além disso, tem um pequeno detalhe que a maioria de nós se esquece de considerar no momento de se auto afirmar e querer criar asas: as nossas amarras.

Desde a infância, somos influenciados pelos hábitos familiares, pelas convenções sociais, pela orientação sexual, enfim, por uma infinidade de valores aceitos e pregados pelo mundo, mas que nem sempre se afinam com o que somos por dentro. Assim, surgem os primeiros choques, necessários ao nosso desenvolvimento, contudo, marcantes em termos de transformação.

Além desses valores, destacam-se as projeções, os sonhos não vividos de nossos progenitores. Aquela coisa da mãe que sonha com uma filha bailarina ou o pai que aguarda um pequeno herdeiro para dar seguimento aos negócios da família. É uma bagagem que nos acompanha antes mesmo de existirmos. Um lugar comum... Nem tanto.

É no imenso aglomerado de iguais que nasce a diferença. Alguém que ousou gritar que não crê no mundinho milimetricamente calculado e vendido como bem sucedido. Alguém que se fez liberto e menos contido e decidiu ser diferente para ser autêntico, alguém que ficou sufocado e teve a necessidade de respirar um ar menos impregnado de hipocrisia e mais maleável à variabilidade do tempo.

Não prego que o ideal seja se encaixar acima da lei, mas ficar inteiramente submerso em um mar de regramentos dogmáticos também não é nada saudável. Encontrar o equilíbrio que confere a liberdade criativa é o desafio da vez. Essa busca perpassa outro tipo de encontro: o do eu interior.

O ponto chave da vida de cada ser humano é aquele onde se exprime um mínimo de autoconhecimento para que seja possível olhar o mundo e saber a qual lugar pertence, quem ele é e o que lhe faz feliz. Não existe uma data marcada para que isso aconteça, porém, muitas pessoas nunca se permitem embarcar nessa viagem e acabam passando pela vida sem um envolvimento profundo. E no final de tudo tentam correr para recuperar o tempo desperdiçado.

A boa notícia é que, embora existam forças que nos amarram as pernas, deixam os braços atados, calam a voz e cegam os olhos, existem aquelas que nos libertam. O amor é uma delas. Talvez a mais intensa de todas. Em se tratando do amor romântico, é possível dizer que esse sentimento se expressa por ciclos e se renova a cada fase vindoura, a cada nova experiência.

No início, ainda impregnados pelo cheiro da paixão, os dois seres extravasam energia. É uma fonte da mais pura criatividade que, intrinsecamente, dá asas. São movidos pela força do eros interior e acabam se tornando do tamanho do mundo. E fazendo um parêntese, acredito que a maior capacidade do ser que ama é persistir e ser tenaz para lutar contra os obstáculos do caminho e a favor do bem comum de ambos.

Quando o estágio inicial é ultrapassado e são formados laços de uma ligação construtiva e embasada no companheirismo, surge uma nova fase do amor. É o tão famoso amor que move montanhas e atravessa o tempo. Que faz com que o outro se torne uma complementação da nossa essência sem necessariamente integrar nossa estrutura. É uma parte que nos completa pelo fato de funcionar como um espelho que inspira conhecimento e principalmente por despertar em nós o desejo de ser alguém melhor.

Afinal, quando estamos ao lado de quem nos faz bem, mesmo que indiretamente, esperamos cultivar nossos talentos para oferecermos algo à altura do que recebemos. E assim, o relacionamento a dois se concretiza como uma jornada da alma ao mesmo tempo individual e acompanhada. É a maneira mais rica de se descobrir o mundo e a si mesmo.

Então, que venha o amor. Quente, frio ou morno. Mas que não seja fatal. Que habite em nossos corações a vontade constante de compartilhar a vida, de dividir responsabilidades e de somar sonhos. Que sejamos o instrumento revigorante da esperança e do otimismo, a prova viva de que o mundo pode e deve ser um lugar onde ser feliz é o caminho a ser percorrido por todos, destacando, contudo, que ser feliz sozinho não tem muita graça.

Que venha a falta de vergonha; um pouco comedida e não muito desvairada. Que seja do tamanho da necessidade que limita o rompimento dos medos e das amarras. Que liberte os receios e promova a voz de quem entende do que está falando: o coração. Espero que com toda essa revolução de sentimentos sejamos um tanto menos mecânicos e um pouco mais sentimentais.

Que impere a massa de seres confiantes. Aqueles que apostam na intuição que irradia do fundo da alma, que canta o percurso exato de pisar e guiar os pés. Apenas não nos esqueçamos da voz que nos suplica para resistir aos atropelos e seguir em frente sempre; ela é a mesma que nos sussurra que devemos ter calma, indulgência e vigilância constante.

quinta-feira, 24 de março de 2011

Tema de destaque 24 - A Deusa da Fertilidade

Embora as mulheres tenham alcançado grandes conquistas nos últimos tempos, em se tratando de fertilidade, quanto mais o tempo passa, mais elas têm ficado vulneráveis e até reféns. A geração mamãe anos 2000 não chega nem perto das parideiras de antigamente. Não estou estabelecendo nenhum tipo de disputa, tampouco diminuindo as potencialidades das fêmeas do século vinte e um, apenas destaco um fato que já ganhou proporções descabidas para nossa racionalidade feminina.

Muitas repetem o mesmo ritual durante meses e nada. São apelidadas de as tentantes da vez. Calculam o melhor dia, fazem o reprodutor engrossar o caldo, consumam o ato e imediatamente deitam de pernas pra cima por pelo menos cinco minutos... É um malabarismo só. Pense na cena! Parece engraçado, mas depois de um tempo acaba se tornando um pesadelo. Se sentem prazer, nem se lembram. E muitas vezes o resultado não é satisfatório. Há poucas décadas, o que era visto como a coisa mais natural para a mulher, desde que o mundo é mundo, hoje é encarado por muitas como um sofrimento intenso.

Para completar a caricatura, aos 35 anos, a gestante é enquadrada na literatura médica como mãe idosa. Pura sacanagem. Será que isso foi ideia de um homem? As que se aventuram ao desafio de conceber um filho aos 40 apelam ao divino e rezam diariamente para ter seus bebês saudáveis. Logo agora que são compartilhados tantos segredos de longevidade e vitalidade. Aqueles truquezinhos que prolongam os anos a fio, mas não são capazes de prolongar as capacidades reprodutivas, nem de conter a deterioração do cerne da vida: o óvulo.

Nisso, temos que dar o braço a torcer à natureza masculina. Enquanto nós mulheres nascemos com todos os óvulos que nosso organismo é capaz de produzir na nossa existência, ficando à mercê da data de validade e do seu grau de maturação para fecundar, os homens, são bem safos. Podem produzir suas sementes a qualquer hora e em qualquer tempo. A idade até limita a qualidade inicial dos espermatozóides da adolescência, que podem nascer descabeçados ou numa contagem inferior, mas nada tão dramático.

E agora? O que devemos fazer? De um lado enfrentamos os desafios de nos firmarmos no mercado de trabalho, de lutarmos pelos nossos sonhos, de encararmos com unhas e dentes um mundo competitivo e individualista, de construirmos o futuro que acreditamos merecer. De outro, damos de cara com o reloginho da natureza que insiste em lembrar-nos que o tempo está passando e que não somos mais uma menina. E nesse vai e vem, quando entra em cena a deusa da fertilidade que supostamente habita cada uma de nós?

Muita calma nessa hora. Para tudo dá-se um jeito. É claro que é possível conciliar tantas frentes de trabalho ao mesmo tempo, mas para ter sucesso, precisamos reconhecer que precisamos de ajuda. Essa história de bancar a super mulher e achar que é auto-suficiente não está com nada. A natureza é tão sábia que já organizou o processo pra ser vivido a dois desde o início. É só uma dica pra ver se a gente entende o recado.

Além disso, precisamos estar atentas ao outro relógio. Aquele que suplica desesperadamente para que sejamos menos precavidas, para darmos aquela escorregadinha básica, para que tenhamos a coragem de arriscar perder o controle sobre um futuro que nunca nos pertenceu. Ser mãe não é algo do outro mundo. E o manual executivo e operativo já vem guardadinho, só precisa ser acessado em caso de dúvidas. E para o nosso bem, se tivermos a postura otimista, iremos perceber que o universo passa a conspirar a nosso favor para que tudo dê certo.

É claro que gerar um filho é uma bênção, a materialização de um milagre da natureza. Mas o estilo de vida contemporâneo que prega a igualdade entre homens e mulheres esqueceu-se de considerar um pequeno detalhe: homens e mulheres são diferentes. Não me refiro a potenciais nem a capacidades de fazer as coisas acontecerem. Refiro-me aos ciclos da vida, à atuação dos hormônios nas entranhas, às conformações do corpo e da mente. Quem vai negar que as limitações são reais, independentemente de juízo de valor ou de orientação politicamente correta?

Pode ser que eu tenha um modo de ver essa situação às antigas, mas acho que essa é uma das formas que a vida encontrou de fazer imperar a lei da parceria, mesmo em tempos de cada um por si e Deus por todos. É como se a vida requeresse a união de duas almas para se fazer florescer. Enquanto um gera e pari, o outro ser segura as pontas e garante as mínimas condições de sobrevivência. Enquanto um alimenta o fruto do seu próprio corpo, o outro se dispõem a ser companheiro e indulgente. Quando um não consegue mais escutar o choro ininterrupto, o outro se prontifica a acalentar. Mesmo que não permaneçam juntos depois, ao menos tiveram a experiência de compartilhar esse acontecimento desde o princípio.

O ato de gerar uma criança deve ser encarado como uma escolha madura que envolve grandes responsabilidades. Para muitas mulheres, funciona como um acontecimento mágico e inigualável que de fato as tornam especiais e muda suas vidas para sempre. Para outras, é encarado como mais um ciclo de mudanças, tão natural como a chuva que cai do céu, encharca o chão para alimentar os córregos e volta a formar nuvens.

De todas as suposições e interrogações que fecundam nossas mentes criativas, prefiro dar destaque a apenas uma delas. Para as pessoas que acreditam que ter filhos só traz preocupações e prejuízos, sinto dizer, mas estão completamente equivocadas. Essas criaturinhas nascem com o dom de nos tirar do sério, mas em alguns momentos especiais despertam em nós a grandiosidade do amor que somos capazes de sentir e exalar. Ajudam-nos a experimentar a vida em sua manifestação mais verdadeira e sublime: amar incondicionalmente sem ter a garantia de receber algo em troca.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Sobre a Saudade (por Andréa Naritza)

Saudade não quer dizer ausência por completo.


Pode ser definida como um vazio que, pelo fato de existir em algum canto da memória, já se faz raiz.

Traz consigo o impacto de emoções fortes, de ventos que sopraram para o lado contrário, de um passado que nunca se despede.

Sentimento que rói e arde, alegra e entristece, cega e clareia ao redor.

Dá a certeza de que os momentos vividos jamais serão arrancados.

São patrimônio daquilo que foi plantado.

Mesmo que tudo passe, que o chão antes habitado por estrelas se torne deserto e árido, deixa evidentes marcas permanentes da alma.

Deixa sempre à mão a lembrança do primeiro instante, a descrição confessa de como tudo começou.

Mas se esquiva de mostrar o corte, o dia em que tudo mudou.

Saudade do toque, presença da imagem viva.

Desmanche dos sonhos sonhados, nostalgia de memórias vividas.

Dias bons, ruins, que importa se eram todos repletos de intensa vivacidade!

Um cheiro doce, um abraço iluminado, um rosto esculpido em detalhes, um nome que não pode ser pronunciado.

Tudo é pista de um despertar, tudo é fato para se lembrar.

E me pergunto por onde deves andar?

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Sobre Relacionamentos (por Andréa Naritza)

A interação que rege os relacionamentos se revela como a verdade sobre a vida.


Configura o que mais se aproxima da alma, pois nos impele a tirar a máscara em algum instante, qualquer que seja.

Mesmo que levem anos a fio, obriga cada um dos envolvidos a despir-se por inteiro.

É a emoção que governa e dita regras, e ai daquele que decidir não se render a ela.

A gente sofre, chora, goza, faz graça, se desespera, sobrevive e depois se transforma.

E, quando alcança o amadurecimento necessário para internalizar o aprendizado, encontra o maior tesouro: a plenitude.

Percebe-se que tudo faz parte de um plano concebido pelo universo que, na sua própria bagunça, faz brotar no indivíduo a sensação de chegar ao lugar certo.

O destino jamais foi divulgado, mas de alguma forma, todas as forças e todos os ventos conduziram a caminhada milimetricamente acertada.

Nada ficou eternamente para trás, embora a transitoriedade seja a força que governa os tempos de idas e vindas.

Não há pressa nem demora e felizes são aqueles que descobrem o compasso ainda no meio do trajeto.

Aqueles que não precisam chegar ao final de tudo para saber que o tempo da vida tem sua própria vontade.

O mais belo nesse processo é que, incondicionalmente, sempre existem trocas.

E o amor sela os pactos por ser a melhor expressão do crescimento conjunto na esfera material.

Aos Moços (por Cora Coralina)

Eu sou aquela mulher


A quem o tempo

Muito ensinou.

Ensinou a amar a vida.

Não desistir da luta.

Recomeçar na derrota.

Renunciar a palavras e pensamentos negativos.

Acreditar nos valores humanos.

Ser otimista.

Creio numa força imanente

Que vai ligando a família humana

Numa corrente luminosa

De fraternidade humana.

Creio na superação do presente.

Acredito nos moços.

Exalto sua confiança,

Generosidade e idealismo.

Creio nos milagres da ciência

E na descoberta de uma profilaxia

Futura dos erros e violências

Do presente.

Aprendi que mais vale lutar

Do que recolher dinheiro fácil.

Antes acreditar do que duvidar.

Sobre a Vida (por Andréa Naritza)

O que diria a maioria das pessoas se fosse questionada sobre o que é a vida?


E se fossem questionadas acerca de suas próprias experiências, quais seriam as mais prováveis revelações?

Será que a tendência seria o reflexo imediato de endeusar pai, mãe, seus heróis das antigas...

Quem sabe lustrar suas virtudes auto-concebidas, ou até referenciar que o amanhã é lindo e belo pelo fato de um poeta já ter dito que o sol vai voltar a brilhar?

Muito romântico não é mesmo?

Mas quem de fato ousaria ser rebelde com causa e escancarar suas lutas internas, os desejos considerados mundanos, os segredos pretéritos ou até mesmo sobre o verdadeiro sentimento que pulsa na marginalidade da nossa sombra?

A parte escondida, relegada, desconectada, o passado que condena...

Talvez a tendência de expressar as mesmas falas, de destacar as supostas virtudes e ignorar o que é difícil de encarar, ocorra devido ao medo de ser autêntico, ao preço que se paga por ser diferente.

O medo de revelar-se faz do indivíduo um referencial do grupo, transforma o ser em mais um, marginalizando sua própria essência.

Por outro lado, se todos se revelassem segundo a sua natureza, creio eu, seria mais fácil perceber que somos avessos à mesmice do mundo porque somos nós que fazemos da vida um lugar comum.

Cecília Meireles - Pensamentos

“Aprendi com as Primaveras a me deixar cortar para poder voltar sempre inteira.”


“Liberdade é uma palavra que o sonho humano alimenta, não há ninguém que explique e ninguém que não entenda.”

“Há pessoas que nos falam e nem as escutamos, há pessoas que nos ferem e nem cicatrizes deixam, mas há pessoas que simplesmente aparecem em nossas vidas e nos marcam para sempre.”


“PERGUNTO-TE ONDE SE ACHA A MINHA VIDA
 Pergunto-te onde se acha a minha vida.
 Em que dia fui eu. Que hora existiu formada de uma verdade minha bem possuída
 Vão-se as minhas perguntas aos depósitos do nada.
 E a quem é que pergunto? Em quem penso, iludida por esperanças hereditárias?
 E de cada pergunta minha vai nascendo a sombra imensa que envolve a posição dos olhos de quem pensa.
 Já não sei mais a diferença de ti, de mim, da coisa perguntada, do silêncio da coisa irrespondida.”

“NEM TUDO É FÁCIL
 É difícil fazer alguém feliz, assim como é fácil fazer triste.
 É difícil dizer eu te amo, assim como é fácil não dizer nada.
 É difícil valorizar um amor, assim como é fácil perdê-lo para sempre.
 É difícil agradecer pelo dia de hoje, assim como é fácil viver mais um dia.
 É difícil enxergar o que a vida traz de bom, assim como é fácil fechar os olhos e atravessar a rua.
 É difícil se convencer de que se é feliz, assim como é fácil achar que sempre falta algo.
 É difícil fazer alguém sorrir, assim como é fácil fazer chorar.
 É difícil colocar-se no lugar de alguém, assim como é fácil olhar para o próprio umbigo.
 Se você errou, peça desculpas...
 É difícil pedir perdão? Mas quem disse que é fácil ser perdoado?
 Se alguém errou com você, perdoa-o...
 É difícil perdoar? Mas quem disse que é fácil se arrepender?
 Se você sente algo, diga...
 É difícil se abrir? Mas quem disse que é fácil encontrar alguém que queira escutar?
 Se alguém reclama de você, ouça...
 É difícil ouvir certas coisas? Mas quem disse que é fácil ouvir você?
 Se alguém te ama, ame-o...
 É difícil entregar-se? Mas quem disse que é fácil ser feliz?
 Nem tudo é fácil na vida... Mas, com certeza, nada é impossível.
 Precisamos acreditar, ter fé e lutar para que não apenas sonhemos, mas também tornemos todos esses
 desejos, realidade!!!”

“Morro do que há no mundo: do que vi, do que ouvi.
 Morro do que vivi.
 Morro comigo, apenas: com lembranças amadas, porém desesperadas.
 Morro cheia de assombro por não sentir em mim nem princípio nem fim.
 Morro: e a circunferência fica, em redor, fechada.
 Dentro sou tudo e nada.”

“Renova-te.
 Renasce em ti mesmo.
 Multiplica os teus olhos, para verem mais.
 Multiplica os teus braços para semeares tudo.
 Destrói os olhos que tiverem visto.
 Cria outros, para as visões novas.
 Destrói os braços que tiverem semeado,
 Para se esquecerem de colher.
 Sê sempre o mesmo.
 Sempre outro. Mas sempre alto.
 Sempre longe.
 E dentro de tudo.”


“Tu tens um medo:
 Acabar.
 Não vês que acabas todo o dia.
 Que morres no amor.
 Na tristeza.
 Na dúvida.
 No desejo.
 Que te renovas todo o dia.
 No amor.
 Na tristeza.
 Na dúvida.
 No desejo.
 Que és sempre outro.
 Que és sempre o mesmo.
 Que morrerás por idades imensas.
 Até não teres medo de morrer.
 E então serás eterno.

"O AMOR...
 É difícil para os indecisos.
 É assustador para os medrosos.
 Avassalador para os apaixonados!
 Mas, os vencedores no amor são os fortes.
 Os que sabem o que querem e querem o que têm!
 Sonhar um sonho a dois, e nunca desistir da busca de ser feliz, é para poucos!!"

sábado, 8 de janeiro de 2011

Rubem Alves - Pensamentos

“Há escolas que são gaiolas e há escolas que são asas.


Escolas que são gaiolas existem para que os pássaros desaprendam a arte do vôo. Pássaros engaiolados são pássaros sob controle. Engaiolados, o seu dono pode levá-los para onde quiser. Pássaros engaiolados sempre têm um dono. Deixaram de ser pássaros. Porque a essência dos pássaros é o vôo.

Escolas que são asas não amam pássaros engaiolados. O que elas amam são pássaros em vôo. Existem para dar aos pássaros coragem para voar. Ensinar o vôo, isso elas não podem fazer, porque o vôo já nasce dentro dos pássaros. O vôo não pode ser ensinado. Só pode ser encorajado.”

"A alma é uma borboleta...
há um instante em que uma voz nos diz
que chegou o momento de uma grande metamorfose..."

“Ao final de nossas longas andanças, chegamos finalmente ao lugar.
E o vemos então pela primeira vez.
Para isso caminhamos a vida inteira: para chegar ao lugar de onde partimos.
E, quando chegamos, é surpresa.
É como se nunca o tivéssemos visto.
Agora, ao final de nossas andanças, nossos olhos são outros, olhos de velhice, de saudade.”

“Compreendi, então, que a vida não é uma sonata que, para realizar a sua beleza, tem de ser tocada até o fim.
Dei-me conta, ao contrário, de que a vida é um álbum de mini-sonatas.
Cada momento de beleza vivido e amado por efêmero que seja, é uma experiência completa que está destinada à eternidade.
Um único momento de beleza e amor justifica a vida inteira.”

“O segredo do amor é a androgenia: somos todos, homens e mulheres, masculinos e femininos ao mesmo tempo. É preciso saber ouvir. Acolher. Deixar que o outro entre dentro da gente. Ouvir em silêncio. Sem expulsá-lo por meio de argumentos e contra-razões. Nada mais fatal contra o amor que a resposta rápida. Alfange que decapita. Há pessoas muito velhas cujos ouvidos ainda são virginais: nunca foram penetrados. E é preciso saber falar. Há certas falas que são um estupro. Somente sabem falar os que sabem fazer silêncio e ouvir. E, sobretudo, os que se dedicam à difícil arte de adivinhar: adivinhar os mundos adormecidos que habitam os vazios do outro.”

“Tanto os meus fracassos quanto as minhas vitórias duraram pouco.
Não há nenhuma vitória profissional ou amorosa que garanta que a vida finalmente se arranjou e nenhuma derrota que seja a condenação final.
As vitórias se desfazem como castelos atingidos pelas ondas, e as derrotas se transformam em momentos que prenunciam um começo novo. Enquanto a morte não nos tocar, pois só ela é definitiva, a sabedoria nos diz que vivemos sempre à mercê do imprevisível dos acidentes.
Se é bom ou se é mau, só o futuro dirá.”

“A saudade é a nossa alma dizendo para onde ela quer voltar.”

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Tema de destaque 22 - Profissão Comentarista

Atualmente, existe especialista para tudo neste mundo. Hoje, além de nos dizermos como pessoa, quando descrevemos quem somos fazemos o detalhamento da nossa formação acadêmica ou referência à profissão. Uma especialidade para dizer quem somos e uma sub-especialidade parar fazer o diferencial. Com essa multiplicação de facetas da rotulagem, surgem juntamente as novas funções. Entre elas, a função comentarista. Tem comentarista para todas as coisas: esportes, moda, etiqueta, política, economia, sexo, meio ambiente. É uma lista infindável que cresce na mesma velocidade com que surgem os novos assuntos e modismos na mídia.

Contudo, há um comentarista negligenciado e que não consta nessa lista. É o cronista. Por que essa associação? Muito simples de responder. O cronista é aquela pessoa que comenta a vida como ela é. Não é especialista em nada, além da sua forma peculiar de olhar a vida e traduzi-la em palavras. Mas sabe de tudo um pouco e não tem reservas em mostrar o que pensa. Sua profissão se assemelha às práticas dos antigos filósofos.

Porém, uma diferença sutil e certeira distingue um do outro. O cronista fala para todos e não apenas para o público seleto dos teóricos eruditos e super esclarecidos. Além disso, não busca deixar um legado ideológico que seja capaz de descrever todas as pessoas em uma única teoria universal. Ele sabe que os termos enquadramento e pessoas não são compatíveis. Sua maior facilidade é comentar os fatos, quer se refiram aos anseios alheios quer estejam relacionados à sua própria individualidade.

Fica criada a profissão comentarista da vida. As regras básicas de seu exercício envolvem um toque de humor aqui, uma pitada de ironia ali... Um texto dramático, outro leve e cristalino. E assim, são compartilhadas reflexões expressadas por uma linguagem simples e ao mesmo tempo profunda sobre variados temas da realidade humana.

Deixam sua marca registrada: um quê de intimidade e acabam por completo com o tom professoral de quem acredita ser capaz de ter receitas prontas e eficazes para todos os males. Amenizam a sensação de tristeza que às vezes sentimos por vivenciarmos experiências ruins; a sensação de ter falhado de forma recorrente em algo que já não é novidade e que deveríamos superar; a sensação de nos sentirmos inferiores e falíveis quando olhamos ao redor e aparentemente enxergamos todos os outros bem encaixados, no seu devido lugar, menos nós.

Deverão estar aptos a conquistar a atenção do leitor pelo fato de instigarem sua auto-reflexão de maneira amena, sem rodeios, aguçando a sensibilidade dos sentidos. Em alguns casos conseguem despertar a verdadeira vontade de mudar e de perseguir sonhos. Em outros, se justificam apenas por despertarem a percepção de que a linguagem usada pelo mundo para escrever suas histórias pode ser decifrada, apreendida e internalizada.

Tudo que faz parte do cotidiano é material de pesquisa e inspira uma contextualização filosófica a respeito da vivência diária de cada ser. Basta olhar uma cena corriqueira na mesa do lado, assistir ao noticiário de um fato sem muita importância ou apenas acordar com a sensação de precisa dizer algo.

Vida, morte, maternidade, sexo, casamento, relacionamentos, preconceito e muitos outros, são temas recorrentemente explorados. O interessante é que cada novo texto imprime um olhar diferente, outro ponto de vista recheado das impressões de outra mente, que resulta de uma história em particular. A mágica desses profissionais é mostrar a seus leitores que eles não estão sozinhos numa multidão de perfeitinhos. Que não são os únicos a desmoronarem ou ficarem emocionados “apenas” porque se sentiram traídos, abandonados, rejeitados, felizes, realizados...

O cronista, ao contrário dos humanistas pragmáticos, não está atrás de respostas que sirvam para todos. Essa tentativa é uma falácia. Confesso que eu mesma já pensei que seria possível identificar algum tipo de lei universal que influenciasse a todos, concomitantemente. E que o resultado das nossas respostas aos estímulos recebidos deveriam ter uma origem similar. Pensei em ser minha própria cobaia, tal como tantas figuras usaram suas próprias impressões para descrever os efeitos psicotrópicos de entorpecentes ou caracterizar tipos psicológicos. Como estava enganada! Bastaram mais alguns anos de pouca experiência e percebi que, em se tratando de pessoas, nada é exatamente igual nem totalmente convergente. O padrão vigente é a individualidade.

É claro que alguns fatos imprimem sentimentos parecidos e que há traços de similaridades a até certo ponto. Por outro lado, a combinação das experiências, marcas e cicatrizes que cada um traz em si são como uma impressão digital. Embora existam os clichês todo fim tem um começo ou nada dura para sempre, sabemos que nenhum desfecho é igual e que as razões para se começar uma nova empreitada são as mais diversas possíveis. Cada qual tem seu gosto, sua essência, suas tendências que tornam sua alma única e insubstituível. Por isso, há tantos estilos e linguagens em voga para se falar uma mesma língua, para se contar um mesmo fato ou simplesmente para se dizer sinto muito.

Acredito que um dos segredos daqueles que têm intimidade com as palavras e impressões sobre a realidade, é a habilidade em enxergar os outros como eles são e saber explicar a essência daqueles com quem desfrutam de um convívio mais próximo. Detêm a vontade exagerada de sentir o outro e de se emocionar com a vida para depois dar suas próprias impressões dos fatos. Um cronista gosta de ver os acontecimentos com seus próprios olhos e descreve os eventos com sua sensibilidade exacerbada acerca da arte de sentir. Emerge do seu peito uma curiosidade faminta de descobrir o que está escrito nas entrelinhas. Raramente se abstém de proferir sua opinião, e quando fica em silêncio, sabe que no fundo, é a melhor coisa a fazer.

Então experimente um exercício simples, mas revelador. Olhe ao redor e tente visualizar uma cena que lhe impute algum tipo de sentimento. Exercite a criatividade e imagine os fatos e as implicações implícitas de todo o contexto. Tende descrever sua percepção e, se chegar a esse ponto da brincadeira, irá perceber que a cada linha escrita estarão incrustadas suas vivências pessoais. Em tudo que fazemos acabamos deixando uma pista do que somos. Um rastro do nosso passado e as expectativas que temos sobre o futuro.

Ao refletirmos sobre um episódio pessoal estamos exercitando a nossa capacidade de refletir e comentar sobre a vida. Não importa se a linguagem que usaremos é rebuscada ou simplória; por metáforas ou no discurso direto. Tudo é relativo, principalmente o tom do desfecho. O único alerta que faço é que, cada vez menos, as pessoas se sentem à vontade para encarar a realidade. Isso sim é a condição essencial para qualquer um que queira se atrever a interagir com o mundo. As recorrentes tentativas de fuga são também entorpecentes da alma que, com o tempo, minam todo o nosso potencial de ver, sentir, se emocionar e se fazer mais vivo.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Perto da família e do coração (por Andréa Naritza)

Estou de férias, perto da minha família e na minha cidade natal. Sempre que venho aqui, faço um pequeno ritual: visitar meus avós, olhar fotos, matar a saudade de sabores que só encontro aqui. Depois de um tempo, mesmo refazendo o ritual de sempre, observei que a minha percepção sobre as coisas e as pessoas foi modificando. Não foi apenas o meu amadurecimento que afetou as pespectivas, mas os fatos também mudaram.

É incrível como os hábitos acabam se tornando tradição quando repetidos sucessivamente. Mas quando a realidade muda e não podemos mais perpetuar o que se fez desde sempre, como devemos agir? Antes, existia uma regra, mesmo que tácita, que nos dava um rumo. E quando as circunstâncias mudam a ponto de nos obrigar a traçar as novas regras, como devemos fazer?

Há seis meses, perdi  meu avô materno e sinto que os últimos dias também se aproximam para a minha avó. Restará apenas a minha avó paterna, já que o meu avô paterno já faleceu há muito tempo. E esse é o ponto. Percebo agora a importância dessas figuras para a perpetuação do ato de agregar a família. Desde que me entendo por gente, fazíamos a mesma trajetória para visitá-los no Natal e no Ano Novo. Vejo que, com a partida deles, a congregação familiar já não é a mesma.

Não estou aqui lamentando a partida de pessoas idosas que já cumpriram com a sua missão neste mundo. Só ressalto que a família à moda antiga conferia um pouco mais de união. Pode ser que a nostalgia tenha me invadido agora, mas sinto falta daqueles encontros calorosos e barulhentos, com todo mundo junto, na ceia ou apenas confraternizando os últimos momentos do ano. Visitar os avós era o que todo mundo pensava que seria o propósito do encontro. Contudo, imagino que todos nós sabíamos que aquela energia contagiante da família reunida era o que emocionava de fato.

Então, tenho a missão de continuar a cultivar esses encontros, mesmo que não sejam como antigamente. Afinal, tudo tem seu tempo. O que importa é a satisfação de rever as caras conhecidas e desejar feliz natal e feliz ano novo do fundo do coração, desejando verdadeiramente que essas pessoas possam desfrutar de momentos melhores. Não apenas por serem nossos familiares, mas principalmente por serem pessoas como nós que sempre buscam algo positivo da vida.

E que não seja preciso exercitar o afago apenas aos familiares. No percorrer do caminho surgem pessoas tão especiais que nos encantam e alegram os nossos dias, independentemente dos laços de sangue. Somos a família universal, sem divisão de guetos. Somos aqueles capazes de transformar o mundo por meio de pequenos atos de gentileza e união.