"Renda-se, como eu me rendi.
Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei.
Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento."

(Clarice Lispector)

O Beijo

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Gustav Klimt (1907)
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domingo, 12 de junho de 2011

Tema de destaque 28 - O trauma

Em se tratando de sentimentos, a maioria das pessoas tem uma opinião parecida. O coração é bobo, nele cabe todo mundo e é derretido feito manteiga. Compactuo dessa opinião em algumas situações. Tem horas que somos impacientes, implacáveis e completamente intransigentes. Mas em outros instantes, perdoamos setenta vezes sete se for necessário.

Então, como encontrar o meio termo? Como saber ser diferente de quente ou frio sem ser morno? Como saber se devemos ou não tentar mais uma vez? Afinal somos parte interessada. Seremos beneficiados se a suposta chance for segurada com unhas e dentes pelo suposto infrator das nossas normas. Também curtiremos momentos de extrema alegria se as linguagens individuais se ajustarem a um diálogo inteligível por dois.

Tenho um palpite a respeito. É uma pequena desconfiança que me dá uma luz nos momentos mais extremos. Suponho que seja difícil descobrir a linha do equilíbrio pelo fato de sermos temerosos dos nossos traumas. Não damos nada por eles, até duvidamos da sua existência, mas de vez em quando eles colocam as unhas de fora.

Gato escaldado tem medo de água fria não é mesmo? E até os mais afoitos se vem naqueles instantes de autocontrole extremado, completamente travados.

O maior medo de todos é o de sofrer. Reconhecemos a situação propícia pra perdermos o chão. Sentimos o cheiro do perigo de longe. Mas quem liga pra esses avisos. Eles podem estar equivocados... E mesmo que não estejam que diferença isso faz? Quando a gente acredita que qualquer sacrifício vale a pena, ninguém é capaz de nos deter, nem nós mesmos.

Segundo especialistas, a maioria dos nossos traumas tem sua estreia na infância, quando ainda somos indefesos e despidos da capacidade de discernimento entre o que é verdadeiramente marcante e o que pode ser deixado de lado, perdoado ou esquecido. Alguns deles são invenção da nossa mente, mas até descobrirmos que se tratavam de uma percepção distorcida da realidade, gastamos anos na terapia e nos afogamos em lágrimas desnecessárias.

Algumas pessoas ficam paralisadas em determinadas situações que as remetem ao trauma mãe. Outras ficam amargas e deixam de experimentar o perfume dos supostos melhores momentos da vida. Também existem aquelas que criam uma armadura de ferro ao seu redor, fria e inflexível, projetada para servir como proteção dos males dos sentimentos.

O processo de reconhecimento das saídas e das alternativas disponíveis para buscarmos a saúde mental e do coração parte do nosso próprio processo de crescimento pessoal. É claro que estar cercado por cuidados de quem nos ama é uma condição necessárias para  a superação das tristezas e dos medos, mas grande parte do esforço tem que vir de nós mesmos.

Além disso, para virar gente, todo mundo precisa ouvir um não bem dado, de receber limites, de correções de conduta, da proposição de regras que garantam o bom convívio coletivo. Mas o que vemos hoje é um exagero de dádivas para tapar buracos. Presentes que funcionam como compensações das ausências.

Olhando por uma perspectiva mais dura e cruel, podemos dizer que fica difícil pôr em prática a tentativa de ver o lado bom de certos acontecimentos. Aquele aprendizado que nos ensina a ser mais sábio pelo fato de fazer a opção de crescer com as perdas.

Mas como se explica isso a uma criança que sofre abusos ou àquela que é criada sem a chance de viver o seu lado lúdico infantil? Como se consegue pedir calma e paciência a alguém que tem a urgência de se ver liberto? Como se aprende essa lição sem aumentar os traumas do passado? Só me vem à mente uma resposta: por meio do amor.

Não é ele que move montanhas, que faz de nós seres maiores e capazes de vencer os momentos mais turbulentos? Não é ele que nos fortalece a alma e amacia os sentimentos nos encorajando a baixar a guarda e a viver o lado bom da vida? Não é ele que nos inspira a viver a dois e nos conduz a arriscar o compartilhamento de responsabilidades?

Sendo assim, dispo meu corpo e minha mente de todas as amarras que me prendem a um passado de sofrimentos. Encosto à janela e sinto o calor do sol a esquentar a minha pele e com ele, imagino que o amor me penetra pelos poros. Mentalizo uma luz vermelha e brilhante que me embala e me protege de mim mesma, que afasta dos meus pensamentos o medo de sofrer mais uma vez.

Agora já estou pronta para me atirar à vida novamente. Sendo que dessa vez não me vejo entrando em uma guerra de sobrevivência. Encaro o momento como uma batalha interior para o refazimento de meus conceitos, da minha essência, do meu eu.

Se em algum dia pretendo tornar-me nobre, que o processo de transformação comece agora e dessa maneira. Que se abram todas as pétalas para que eu deixe partir tudo o que não me pertence, tudo o que me diminui e tudo aquilo que me faz refém.

E que os traumas que um dia me afligiram o peito sejam apenas um sinal de alerta sobre as pedras do caminho. Contudo, que percam todas as forças que antes tinham o poder de anuviar minha vista, de causar tensão e de paralisar os meus passos errantes.

Filhos - por Jose Saramargo

Devemos criar os filhos para o mundo. Torná-los autônomos, libertos, até de nossas ordens. A partir de certa idade, só valem conselhos. Especialistas ensinaram-nos a acreditar que só esta postura torna adulto aquele bebê que um dia levamos na barriga. E a maioria de nós pais acredita e tenta fazer isso. O que não nos impede de sofrer quando fazem escolhas diferentes daquelas que gostaríamos ou quando eles próprios sofrem pelas escolhas que recomendamos.

Então, filho é um ser que nos emprestaram para um curso intensivo de como amar alguém além de nós mesmos, de como mudar nossos piores defeitos para darmos os melhores exemplos e de aprendermos a ter coragem. Isto mesmo! Ser pai ou mãe é o maior ato de coragem que alguém pode ter, porque é se expor a todo tipo de dor, principalmente da incerteza de estar agindo corretamente e do medo de perder algo tão amado.

Perder? Como? Não é nosso, recordam-se? Foi apenas um empréstimo! Então, de quem são nossos filhos? Eu acredito que são de Deus, mas com respeito aos ateus digamos que são deles próprios, donos de suas vidas, porém, um tempo precisaram ser dependentes dos pais para crescerem, biológica, sociológica, psicológica e emocionalmente.

E o meu sentimento, a minha dedicação, o meu investimento? Não deveriam retornar em sorrisos, orgulho, netos e amparo na velhice? Pensar assim é entender os filhos como nossos e eles, não se esqueçam, são do mundo! Volto para casa ao fim do plantão, início de férias, mais tempo para os filhos, olho meus pequenos pimpolhos e penso como seria bom se não fossem apenas empréstimo! Mas é. Eles são do mundo. O problema é que meu coração já é deles.