"Renda-se, como eu me rendi.
Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei.
Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento."

(Clarice Lispector)

O Beijo

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Gustav Klimt (1907)
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terça-feira, 21 de setembro de 2010

Tema de destaque 12 - Martha Medeiros, prazer em conhecê-la

Quando compartilhei com meus amigos a idéia de escrever no blog, imediatamente tive muitas contribuições de temas e de leituras para inspirar na concepção dos meus textos. Especialmente dos meus colegas de um curso de especialização que ainda estou terminando, em fase de elaboração da monografia. Várias pessoas me falaram sobre ela, principalmente depois de eu ter dito que tinha adorado o filme Divã. E com toda a minha ignorância, cada vez que era abordada: “você já leu os textos da Martha Medeiros?” respondia que não. E alguém dizia: “mas foi ela quem escreveu o livro Divã, que foi produzido como peça e depois como filme”. Até no trabalho, uma amiga me falou sobre ela e me indicou uns sites para leitura.

Como inaugurei o blog perto do meu aniversário, muito certeiramente, fui presenteada com o livro Doidas e Santas. O meu amigo disse que esse era um dos melhores livros dela e que se encaixava com a minha proposta do blog e até, um pouco, com os assuntos que pretendia abordar. Relutei um pouco em ler o livro de imediato. Confesso que de cara achei o título provocante e instigante, mas me contive. Tinha a impressão de que seria influenciada e eu não pretendia copiar ninguém. Estava vivenciando uma fase muito intensa de autoconhecimento e, por isso, queria dar asas à minha própria imaginação. Deixar os meus sentimentos fluírem naturalmente, sem nenhuma referência além de mim mesma e da minha forma de perceber o mundo e as pessoas.

Já tinha postado alguns escritos e refazia quase que diariamente uma interminável lista de assuntos prioritários. A minha imaginação estava completamente solta e a criatividade em alta, apesar de estar muito atarefada com a sobreposição das atividades domésticas, do trabalho e do bendito curso. Mas a leitura sempre representou para mim uma forma de descansar a mente e de sair deste mundinho material. Então, sempre que estou sobrecarregada, me agarro a um livro para relaxar e percorrer mundos distantes para depois retornar ao meu com novas roupagens e outros pontos de vista sobre a minha própria visão da vida. Uma boa leitura nunca é solitária. Ela é sempre recheada de pequenos lampejos de idéias nutridos por um diálogo entre o livro e o leitor. Um bom livro, na maioria das vezes, consegue nos transportar a um tempo, lugar, espaço diferente, o que enriquece demasiadamente as nossas possibilidades de entendimento de qualquer coisa que seja.

Numa certa tarde de domingo, depois de terminar os trabalhos de uma disciplina da especialização, cruzei o meu olhar com o livro que estava escondido em baixo de uma pilha de outros livros, na minha mesa de cabeceira. Bateu a curiosidade novamente. Uma amiga do trabalho já tinha lido e falou que tinha gostado bastante. Então me rendi. E não é que tava todo mundo certo! De cara me identifiquei com o estilo dela, os temas, a forma de emitir a opinião sobre cada assunto. Ainda no início do livro, senti um frio na barriga quando percebi a primeira “coincidência”. Li uma crônica que tratava exatamente do mesmo assunto do meu último post do blog: Tema de destaque 9 – As doenças da alma. É claro que o título e a abordagem adotados pela autora eram diferentes dos meus: Quando o corpo fala. Contudo, a essência era a mesma, inclusive a fonte de inspiração, a autora Louise L. Hay, numa tentativa de falar sobre as tendências de somatização das dores psíquicas no corpo físico.

Depois dessa crônica, o livro se tornou uma sucessão de supostas coincidências: o filme Match point de Woody Allen, que me marcou pelo fato do meu aprendizado sobre o nosso controle parcial ou até insignificante em relação à sorte da vida, que também é descrito no livro; outro filme, Mentiras sinceras, ao qual a autora se refere a uma cena de destaque, onde enfatiza a importância da entrega verbalizada na relação a dois e o silêncio como a arma letal das relações humanas, que foi um dos meus maiores aprendizados na vida: falar sempre, ou quase sempre; o filme Terapia do amor, destacando o episódio da mocinha que vivencia a dificuldade de viver um relacionamento sabendo que ele vai acabar adiante, mas que percebe que o investimento vale a pena por se saber que não será um tempo perdido; o filme Pecados íntimos, associando a tendência de seguir roteiros conhecidos, papéis previamente estipulados para desempenharmos nas nossas vidas, ao estado de adultos como crianças grandes, pessoas que ainda não cresceram emocionalmente, sendo esse um tópico central de minhas reflexões sobre as escolhas que fazemos na vida.

Na sequência, o livro Tête-à-Tête, assumindo que gosta de ler biografias (eu adoro), enfatizando o fato de Sartre e Simone terem se tornado prisioneiros da sua própria teoria de amor livre, uma impressão que também tive ao ler o livro; a menção sobre a escritora Clarice Lispector, que adoro, e sua “pior” vontade de viver, que foi interpretada como aquela que faz descobrir que ser feliz é ter consciência do efêmero, saber-se capaz de agarrar o instante e lidar bem com o que não é definitivo – tudo; o gosto pelos livros de Irvin Yalom (Quando Nietzsche chorou e A cura de Schopenhauer, além de outros), destacando a fascinação pelos assuntos relacionados às questões psicológicas do ser, que é um tema do meu interesse desde criança, inclusive o autor mencionado; o filme Na natureza selvagem, abordando a necessidade de entrarmos em contato com nossos sentimentos mais primitivos para descobrirmos o que nos define de fato, vivendo um instante de leveza, deixando-se levar pelo romantismo e idealismo juvenis que me causou essa mesma sensação impactante após assisti-lo.

A cada crônica que eu lia me apaixonava ainda mais. Ficava me questionando como poderia existir alguém tão distante e ao mesmo tempo tão próxima de mim. Com gostos parecidos, interesse por temáticas similares, livros e filmes; além de apresentar o posicionamento análogo ao meu em relação a alguns aspectos críticos da vida, que usava as palavras exatamente como eu gostaria para explicar cenas e acontecimentos do cotidiano. Quem era essa desconhecida por quem eu já sentia tanta simpatia e familiaridade? Quanta coincidência, eu pensei comigo mesma.

Enfim, depois do primeiro impacto do amor à primeira vista, vieram os primeiros raios oriundos da reflexão. As similaridades eram muitas, mas não eram simples coincidências. Somos mulheres, mães, amantes e antes de tudo, seres humanos. Compartilhamos um conhecimento e preferências ancestrais, associados à nossa espécie, salvo algumas exceções e especificidades da particularidade da história de vida de cada pessoa. Por isso a sensação de coincidência. Acredito que outro fator preponderante nessa sucessão de pequenas convergências é o fato de gostarmos de escrever. Eu como amadora e ela como profissional.

Nessa condição, de descrever com sentimento, somos levadas a sentir a vida e as pessoas de forma a não economizar emoção, nem tempo, nem detalhes. Pelo contrário, quanto mais mergulhamos fundo e ficamos embriagadas do universo ao nosso redor, mais aguçada se torna a nossa percepção e a ousadia, fazendo com que ampliemos os horizontes de entendimento sobre as nossas próprias convicções a respeito do mundo interno e do externo. Portanto, cada vez que nos comunicamos com o mundo de fora, por meio de nossos escritos, emitimos opinião a partir da nossa capacidade de fazer leituras subliminares, assim como nos mostrarmos como somos por dentro.

Martha Medeiros, muito prazer em conhecê-la, pela leitura das suas crônicas maravilhosas, com linguagem simples, mas prufunda e certeira. Uma filósofa nata que mistura todos os estilos e não se configura como nenhum deles. Assume a si própria. Obrigada por ter invadido o meu mundinho particular, por meio de um ato de carinho, do incentivo a um projeto de vida, por mais simples e despretensioso que seja. Porque viver nunca é pouca pretensão. É a busca pela conexão com o presente. É a tentativa de se libertar do hiato de vida que prevalece quando estamos presos em um tempo pretérito devido a arrependimentos e apegos ou imersos em um futuro que nunca chega, por não passar de expectativas não colocadas em práticas pelo medo de errar ou da própria responsabilidade de se fazer a escolha. Viver é simplesmente ou complicadamente, respirar calmamente ao acordar sem se desesperar com nada. É entender que tudo tem uma razão de ser. E que quando descemos a correnteza do rio sem resistência, sem querer nos fixarmos em um ponto específico do seu leito, ou apressarmos o seu curso, chegamos ao nosso destino final menos machucados e no tempo certo.

Paulo Freire - Ousar

“Minha intenção neste texto é mostrar que a tarefa do ensinante, que é também aprendiz, sendo prazerosa é igualmente exigente. Exigente de seriedade, de preparo científico, de preparo físico, emocional, afetivo. É uma tarefa que requer de quem com ela se compromete um gosto especial de querer bem não só aos outros, mas ao próprio processo que ela implica. É impossível ensinar sem essa coragem de querer bem, sem a valentia dos que insistem mil vezes antes de uma desistência. É impossível ensinar sem a capacidade forjada, inventada, bem cuidada de amar. Daí que se diga no terceiro bloco do enunciado: Cartas a quem ousa ensinar. É preciso ousar, no sentido pleno desta palavra, para falar em amor sem temer ser chamado de piegas, de meloso, de a-científico, senão de anti-científico. É preciso ousar para dizer, cientificamente e não bla-bla-blantemente, que estudamos, aprendemos, ensinamos, conhecemos com o nosso corpo inteiro. Com os sentimentos, com as emoções, com os desejos, com os medos, com as dúvidas, com a paixão e também com a razão crítica. Jamais com, esta apenas. É preciso ousar para jamais dicotomizar o cognitivo do emocional. É preciso ousar para ficar ou permanecer ensinando por longo tempo nas condições que conhecemos, mal pagos, desrespeitados e resistindo ao risco de cair vencidos pelo cinismo. É preciso ousar, aprender a ousar, para dizer não à burocratização da mente a que nos expomos diariamente. É preciso ousar para continuar quando às vezes se pode deixar de fazê-la, com vantagens materiais.”

Paulo Freire – do livro Professora sim, tia não – cartas a quem ousa ensinar.