"Renda-se, como eu me rendi.
Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei.
Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento."

(Clarice Lispector)

O Beijo

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Gustav Klimt (1907)
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terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Tema de destaque 30 - Mãe de dois

Ao final do dia, dei-me conta de que nas últimas 24 horas fui tudo, menos eu mesma. Desde quando minha filha nasceu, há 4 meses, que vivencio o papel de mãe “full time”. A diferença é que agora já sou mãe de dois que disputam minha atenção juntamente com as minhas necessidades mais básicas, como comer, tomar banho e ir ao banheiro. E também com as mais complicadas: trabalho, casa e casamento.

Quando estava grávida, só pensava no lado poético e nada prático dessa concretização. Sonhava em conhecer aquele serzinho que me habitava e sugava as minhas energias por dentro para se transmutar na criatura mais bela e desejada. Tinha a imagem daquela família feliz, reunida ao redor de uma mesa grande e farta.

A diferença é que agora, sinto-me sugada por dentro e por fora... Dei-me conta disso quando, por acaso, fixei meu olhar em uma foto de dois anos atrás. Quanta diferença nas feições cansadas, na disposição, no olhar afoito e desafiador... Junto com aquele sorriso enérgico e faceiro do retrato podia sentir toda a emoção que vivia à época em que mergulhei em grandes conquistas pessoais. Como é complicado querer ser tudo ao mesmo tempo!

Ser mãe sempre foi um dos meus grandes sonhos. Parecia que a minha condição de mulher apenas estaria consolidada quando sentisse o meu filho ser amamentado pela primeira vez. Depois de um tempo investindo intensamente na realização acadêmica e profissional, chegara o momento perfeito para consumar o fato. Tudo estava pronto, mas nada estaria completo sem a chegada dos rebentos.

O dia já começa na madrugada com as sucessivas mamadas. Vez por outra, vou acudir o mais velho de quatro anos do medo do escuro ou quando faz xixi na cama. Volto a deitar e Já estou quase dormindo quando sou solicitada para outra mamada... O dia está amanhecendo e outra mamada... O sol está se pondo e outra mamada... Coloco as crianças na cama e depois, outra mamada... Passam horas; passam dias; passam meses... E outra mamada...

Olhando assim parece um pesadelo. Mas no fundo é só o desabafo de uma mãe circunstancialmente esgotada e sem forças. É o retrato caricato pintado por uma mulher que escolheu, por livre e espontânea vontade, responsabilizar-se pelos cuidados com seu bebê. A reflexão de alguém que escolheu doar-se completamente para vivenciar o milagre de ver seus filhos desabrocharem no primeiro ano de vida e se desenvolverem plenamente para todo o sempre.

Começo a pensar nos bons momentos que tenho com eles e lentamente vou lembrando que quem eu sou sempre esteve aqui comigo. Apenas me dou conta de que, momentaneamente, tirei o meu eu do foco e saí de cena para dar a vez a essas pessoinhas que enchem uma casa e uma vida inteira. Olho para eles dormindo e me emociono com cada feito do dia. As descobertas, as brincadeiras, a intimidade feita com o coração. Acordo pensando em dormir novamente e durmo sonhando acordada que estou traçando um caminho para fazê-los felizes.

E isto, esses cinco minutos antes de dormir, alimentam a minha alma e me fortalecem para começar tudo novamente na madrugada seguinte, com a mesma dedicação, com o mesmo amor, com a mesma vontade de acertar e fazer o melhor que posso. E quando a pergunta ecoa lá longe da minha mente, respondo a mim mesma que sou um ser em construção em busca de sua completude, juntando todos os pedaços, inclusive as migalhas de um dia mal vivido.