"Renda-se, como eu me rendi.
Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei.
Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento."

(Clarice Lispector)

O Beijo

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Gustav Klimt (1907)
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quarta-feira, 27 de abril de 2011

Tema de destaque 25 - Vida e a força que liberta

Ao atravessar as etapas da vida, cada pessoa vai moldando sua forma personalizada de descobrir o mundo e internalizar o aprendizado de cada fase marcante. Por isso, é comum dizer que não há receitas que sirvam a todos. Cada ser é um mundo à parte e cada parte tem uma infinidade de pedaços oriundos de um conhecimento ainda não processado. Além disso, tem um pequeno detalhe que a maioria de nós se esquece de considerar no momento de se auto afirmar e querer criar asas: as nossas amarras.

Desde a infância, somos influenciados pelos hábitos familiares, pelas convenções sociais, pela orientação sexual, enfim, por uma infinidade de valores aceitos e pregados pelo mundo, mas que nem sempre se afinam com o que somos por dentro. Assim, surgem os primeiros choques, necessários ao nosso desenvolvimento, contudo, marcantes em termos de transformação.

Além desses valores, destacam-se as projeções, os sonhos não vividos de nossos progenitores. Aquela coisa da mãe que sonha com uma filha bailarina ou o pai que aguarda um pequeno herdeiro para dar seguimento aos negócios da família. É uma bagagem que nos acompanha antes mesmo de existirmos. Um lugar comum... Nem tanto.

É no imenso aglomerado de iguais que nasce a diferença. Alguém que ousou gritar que não crê no mundinho milimetricamente calculado e vendido como bem sucedido. Alguém que se fez liberto e menos contido e decidiu ser diferente para ser autêntico, alguém que ficou sufocado e teve a necessidade de respirar um ar menos impregnado de hipocrisia e mais maleável à variabilidade do tempo.

Não prego que o ideal seja se encaixar acima da lei, mas ficar inteiramente submerso em um mar de regramentos dogmáticos também não é nada saudável. Encontrar o equilíbrio que confere a liberdade criativa é o desafio da vez. Essa busca perpassa outro tipo de encontro: o do eu interior.

O ponto chave da vida de cada ser humano é aquele onde se exprime um mínimo de autoconhecimento para que seja possível olhar o mundo e saber a qual lugar pertence, quem ele é e o que lhe faz feliz. Não existe uma data marcada para que isso aconteça, porém, muitas pessoas nunca se permitem embarcar nessa viagem e acabam passando pela vida sem um envolvimento profundo. E no final de tudo tentam correr para recuperar o tempo desperdiçado.

A boa notícia é que, embora existam forças que nos amarram as pernas, deixam os braços atados, calam a voz e cegam os olhos, existem aquelas que nos libertam. O amor é uma delas. Talvez a mais intensa de todas. Em se tratando do amor romântico, é possível dizer que esse sentimento se expressa por ciclos e se renova a cada fase vindoura, a cada nova experiência.

No início, ainda impregnados pelo cheiro da paixão, os dois seres extravasam energia. É uma fonte da mais pura criatividade que, intrinsecamente, dá asas. São movidos pela força do eros interior e acabam se tornando do tamanho do mundo. E fazendo um parêntese, acredito que a maior capacidade do ser que ama é persistir e ser tenaz para lutar contra os obstáculos do caminho e a favor do bem comum de ambos.

Quando o estágio inicial é ultrapassado e são formados laços de uma ligação construtiva e embasada no companheirismo, surge uma nova fase do amor. É o tão famoso amor que move montanhas e atravessa o tempo. Que faz com que o outro se torne uma complementação da nossa essência sem necessariamente integrar nossa estrutura. É uma parte que nos completa pelo fato de funcionar como um espelho que inspira conhecimento e principalmente por despertar em nós o desejo de ser alguém melhor.

Afinal, quando estamos ao lado de quem nos faz bem, mesmo que indiretamente, esperamos cultivar nossos talentos para oferecermos algo à altura do que recebemos. E assim, o relacionamento a dois se concretiza como uma jornada da alma ao mesmo tempo individual e acompanhada. É a maneira mais rica de se descobrir o mundo e a si mesmo.

Então, que venha o amor. Quente, frio ou morno. Mas que não seja fatal. Que habite em nossos corações a vontade constante de compartilhar a vida, de dividir responsabilidades e de somar sonhos. Que sejamos o instrumento revigorante da esperança e do otimismo, a prova viva de que o mundo pode e deve ser um lugar onde ser feliz é o caminho a ser percorrido por todos, destacando, contudo, que ser feliz sozinho não tem muita graça.

Que venha a falta de vergonha; um pouco comedida e não muito desvairada. Que seja do tamanho da necessidade que limita o rompimento dos medos e das amarras. Que liberte os receios e promova a voz de quem entende do que está falando: o coração. Espero que com toda essa revolução de sentimentos sejamos um tanto menos mecânicos e um pouco mais sentimentais.

Que impere a massa de seres confiantes. Aqueles que apostam na intuição que irradia do fundo da alma, que canta o percurso exato de pisar e guiar os pés. Apenas não nos esqueçamos da voz que nos suplica para resistir aos atropelos e seguir em frente sempre; ela é a mesma que nos sussurra que devemos ter calma, indulgência e vigilância constante.

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