"Renda-se, como eu me rendi.
Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei.
Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento."

(Clarice Lispector)

O Beijo

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Gustav Klimt (1907)
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quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Tema de destaque 10 - O Meu Encontro

Sabe aqueles momentos da vida em que tudo está aparentemente redondo e paira sobre nossas cabeças uma calmaria aparente, remetendo à sensação do conforto do descanso eterno??? Quando se sentir assim, corra, o mais rápido que conseguir. Ou não. Pare e espere calmamente o inevitável... Algumas pessoas diriam: relaxa e goza. Provavelmente, é em tempos como esse que estamos prestes a vivenciar um ponto de inflexão na curva do crescimento transcendente. Mudará de uma tendência linear, com discreta inclinação, para a dispersão de vários pontos aglutinados em torno de uma forma indefinida, seguindo um comportamento exponencial. Seria tão fácil se a linguagem do comportamento humano pudesse ser simplificada ao nível da simbologia matemática.

Diria que as aparências sempre enganam, mas como toda unanimidade é burra e imperfeita, vamos arredondar para 99,9%. Enquanto tudo estava estabilizado por fora, um vulcão, silenciosamente entrava em erupção. As bases tremiam, o chão se dissipava em uma fenda abissal, enquanto a larva quente espirrava para todas as direções. Foi uma verdadeira explosão que trouxe consigo um desconforto imediato pela perda do pseudo controle da situação. De repente, o mundo girava ao contrário, as palavras perdiam o significado e todo aprendizado acumulado não dava conta de decifrar os fatos. Tudo tão previsível, mas tão evitado... Probabilidade de ocorrência do evento igual a 100%; risco de ser evitado, aproximadamente zero; formas de manifestação, infinitas.

Quando toda energia aprisionada consegue extrapolar a superfície que intercepta o dentro e o fora, gradativamente, a atividade de extravasar vai-se aquietando. As primeiras respostas ao acontecido tomam a forma de um nome de anjo. Um pouco estranho e paradoxal, mas a dualidade é a verdadeira expressão do ser humano: a persona versus a sombra. Uma não existe sem a outra. Ninguém está completamente certo e, ao mesmo tempo, estamos todos errados. Forjamos personalidades dóceis, que recitam trovas amáveis. O politicamente correto é almejado como propaganda oficial do ser supostamente maravilhoso que se esconde de si mesmo. “Não roubarás; não matarás, não cobiçarás a mulher do próximo”... a cartilha do ser virtuoso já está pronta. Mas e a sombra, para onde ela foi?

Segundo as leis da física, na natureza, nada se perde tudo se transforma. Portanto, toda a energia reprimida e desviada de sua função, um dia busca seu lugar ao sol. E quanto mais tempo demoramos a tomar consciência da nossa totalidade, maior será a força da explosão. A meu ver, esse ser milimetricamente calculado para ser aceito e bem-vindo aos olhos de todos, assemelha-se a um protótipo virtual, construído e arquitetado segundo os preceitos tacitamente balizados pela sociedade. É alguém concebido de fora para dentro e, por isso, não tem a conexão visceral. Por essa razão, sofre de uma esquizofrenia situacional, uma perda momentânea de rumo que pode ser quase permanente. Nesses casos de profunda desconecção da integralidade é inexorável a ocorrência de um choque avassalador, com repercussão de alto impacto para que a crosta externa, já solidificada, seja rompida e ceda espaço ao sentimento verdadeiro.

Talvez, algo que nos remeta à nossa origem mais primitiva seja o mesmo artifício que nos conduza à auto-reconstrução, à aceitação da realidade de fato. O encontro perfeito entre corpos, quem sabe. Dois corações batendo juntos, em ritmo acelerado, no mesmo compasso desesperado, em um instante preciso de confluência total. Naquele exato momento, dois seres sem face e transbordando de alma ao se entregarem por inteiro, deixam de ser corpos vazios e experimentam que juntos podem alcançar as estrelas. Eis então uma forma de instigar o autoconhecimento. Para alguns pode ser um caminho traumático que dá a sensação de espetar como espinhos, mas com certeza será infalível se vivenciada em sua completude.

O outro, quando posto estrategicamente à nossa frente, sob as condições ideais de temperatura pressão e umidade, assume o papel de um espelho que reflete o nosso avesso em carne viva. O reflexo dessa imagem traduz algo além de um autoretrato às avessas. Permite aos olhos a visão do vivo que não tem forma; ao corpo, experimentar a essência daquilo que não se toca; ao coração, aponta o sentido do começo do resto de nossas vidas.

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